O Papa não precisa de quem o defenda. Quem o conhece e está atento, sem preconceitos, ao seu modo de agir e de intervir, antes e depois de ser Papa, sabe que nunca deixou, nem deixará, de afirmar, na fidelidade ao seu magistério, o que considera essencial e, evangelicamente, mais certo. Não fala para plateia com intenção de agradar, nem foge às críticas, mesmo que injustas. É um homem de princípios, coerente com a sua fé, corajoso no enfrentar dos problemas, detentor de uma consciência que lhe mantém bem vivo o sentido do dever e da missão, frente à Igreja, a que preside, e à sociedade, para a qual ela deve ser uma consciência crítica, que denuncie, abra caminhos e colabore. Não tem a força mediática do seu antecessor, diz-se, mas faz da sua coragem e testemunho a mais válida mediação.
A sociedade está a abarrotar de gente que se contenta com voos rasteiros e se fecha num pragmatismo sem horizontes; que serve interesses políticos e económicos diversos, sem olhar a meios; que deixou de considerar, ou nunca considerou, a pessoa humana, como o maior valor social; que tenta soluções de problemas graves, humanos e sociais, sem ir às causas dos mesmos; que desvirtua, por emoções ou incapacidade de ir mais longe, o rumo e a exigência do que é essencial. Gente assim não pode gostar de Bento XVI. Ataca-o sem o entender, denigre-o sem pejo nem vergonha, fecha os olhos às suas lúcidas intervenções de ordem teológica, social e humanitária e, que por vezes, mesmo gente da Igreja, não se importa de pagar tributo fácil a quem a sabe bajular e precisa de um encosto eclesiástico protector. O conspecto actual mostra tudo isto.
Ora, problemas difíceis nunca terão soluções rápidas e fáceis. Quando estas se propugnam e se põem em prática, morre a esperança dos caminhos válidos que permitem o ataque, certo e eficaz, às causas que provocam os problemas. Não há caminhos de cura pessoal e de renovação social, sem uma educação da vontade que se consolida com convicções assumidas, nem sem raízes novas e sadias que se revigoram com o tempo, o esforço, a atenção e o cuidado de todos.
Por outro lado, as soluções de emergência, mesmo as preventivas, serão sempre meios de excepção para casos de excepção. Fazer delas a solução normal de epidemias graves é iludir os problemas, enganar as pessoas, encurtar-lhes os horizontes, impedi-las que cresçam e aprendam a assumir, de modo responsável, os seus actos. Não há meio termo.
O que fez chegar aos povos de África a mancha terrível da sida e de outras doenças graves? Quem denuncia, hoje, com objectividade e coragem, as causas injustas destas multidões esmagadas e indefesas? Onde estão as grandes potências, que roubaram as matérias primas de África, deixando irremediavelmente pobres muitos povos ricos e, depois, lhes deram armas, esmolas e ajudas, criando neles dependências escandalosas, e por fim abafando-os com o presente envenenado de toneladas de preservativos e de contra conceptivos? Não foram, acaso, estes, os planos famosos de Henri Kisinger e de outra gente grande de países ricos, multiplicando formas de aniquilamento de raças e de culturas, como aconteceu com a laqueação generalizada de trompas, para impedir o crescimento da população e melhor explorar, injustamente, os seus bens, varrendo do terreno o obstáculo de quem ainda podia defender-se e denunciar internacionalmente?
O Papa está mal informado, dizem agora os críticos de pacotilha. Como, se no Vaticano abundam dossiês, que eu pude consultar, sobre todas estas situações, as fontes que as alimentam, os braços que as servem, os interesses que daí decorrem?
Podem as intervenções corajosas de Bento XVI, agora nos Camarões e em Angola, na sequência de outras, igualmente corajosas, de Pio XII, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, serem tidas como coisas, meramente espirituais e anódinas? Ou devem entender-se como a voz pública e incómoda de uma Igreja que não fala de cor e faz sua a causa dos explorados de que cuida, com os quais o mundo instalado e bem pensante nunca sujou as mãos, porque prefere manter suja a consciência? Gente "importante" escandalizou-se e rasgou vestes com as palavras do Papa aos jornalistas. Bento XVI, para quem o leu, sabe que apenas pôs o dedo numa ferida grave, pensando talvez que a gente da comunicação fosse mais informada, inteligente e crítica e ia com ele com o mesmo desejo de servir os africanos e pugnar pelo seu bem. O Papa não atingiu os doentes de sida, nem quem os acompanha, diariamente, na sua dor. Esses, também ele os levava no seu coração, sensível e dorido. A pedrada era para os pragmáticos com as baias que lhes encurtam os horizontes da vida e, por isso, se ficam sempre, pressurosos, na crítica fácil a quem vê mais longe. É a crítica fácil dos incomodados e dos instalados.