Não faltam motivos para sublinhar o valor ímpar de D. Manuel de Almeida Trindade, bispo emérito de Aveiro desde Janeiro de 1988, que então, uma vez dispensado do governo da Diocese, quis livremente voltar a Coimbra de onde viera, mas que logo disse desejar regressar a Aveiro, a sua primeira e única Diocese, para ficar definitivamente aqui, quando chegasse a sua hora de partida para o Pai. Essa hora chegou e tem sentido profético.
Teria muitos aspectos para recordar e sublinhar a fecundidade da sua vida episcopal. Escolhi, no entanto, a sua dimensão de bispo da Igreja, uma vida prenhe de sentido, que pode servir de memória e de apelo a quantos desejem, hoje, ser fieis a Cristo, na sua vida cristã e apostólica.
D. Manuel, não obstante a sua grandeza intelectual e o seu prestígio episcopal e social, era um homem simples e próximo, um cristão determinado e fiel ao espírito do Evangelho. Uma vida modesta e desprendida de bens materiais, atento às pessoas e suas necessidades. (...) Um coração de irmão e de verdadeiro pastor, que nunca deixou indiferente quem dele se aproximou ou com ele conviveu. Compreensivo, mas nunca permissivo em coisas essenciais. Aberto, mas sem preocupações de vanguardista ou de procurar plateia. Os traços evangélicos do Bom Pastor, bem se via que os cultivava, diariamente, com cuidado e esmero.
Participou em todas as sessões do concílio Vaticano II, na primeira das quais apenas como bispo designado, mas ainda não ordenado ou consagrado, como então se dizia.
A sua preparação teológica e o estar a começar o seu ministério de bispo diocesano permitiram-lhe uma participação extraordinariamente enriquecedora, a que quis dar sequência e logo viu que nessa linha devia prosseguir. Informou e formou e levou depois o concilio até onde pôde.
Aspectos doutrinários e pastorais, que a outros pareciam criar medo e reacção pouco positiva, para D. Manuel eram muito claros e necessários para uma renovação da Igreja, objectivo conciliar da primeira hora. Assim, sem preocupação de os esgotar, vemos a atenção dada à Igreja, a trilhar os caminhos da Comunhão e Missão, e da participação alargada a todos os seus membros; a formação cuidadosa do clero, atenção à formação do laicado e promoção ao seu lugar de direito; os órgãos de corresponsabilidade eclesial, o diálogo aberto, acolhedor e paciente, a reacção espontânea a títulos honoríficos nos membros presbitério, alheios por completo ao espírito conciliar, a atenção à visita pastoral e a ao evoluir da sociedade; o espírito de serviço bem visível a contrastar com o de senhorio, que ainda então reinava em muitos sectores da Igreja; a coragem na afirmação e na defesa do papel da Igreja na sociedade democrática. Tudo isto denunciava uma fidelidade total ao Vaticano II, a orientar a sua vida e acção.
A Diocese de Aveiro foi beneficiária desta fidelidade, e a Igreja em Portugal dela também aproveitou largamente, por força dos cargos exercidos por D. Manuel na Conferência Episcopal Portuguesa, em momentos quentes e difíceis (...).
A morte de D. Manuel surge, como forte interpelação, num momento de dificuldades para a Igreja em Portugal. O regresso ao Evangelho e ao Vaticano II, sem sofismas nem descontos ou interessadas adaptações pessoais ou de grupos, parece ser o rumo certo a seguir nesta hora. A diocese de Aveiro, com D. Manuel e seus colaboradores, abriu e fortaleceu os alicerces de uma Igreja que se quer renovar e ser fiel à sua missão.