Diante dos olhos temos a relativa pobreza que, mais ou menos, se verifica no panorama cultural dos concelhos bairradinos. A vivência existente deve-se à iniciativa ou apoio de serviços municipais e de algumas outras entidades concelhias, mas não satisfaz de todo e multiplicam-se as vozes que lamentam a situação. Ora, como responder a ela conhecendo a estreiteza (maior ou menor) dos recursos reais existentes em cada município?
A insistência no género «espectáculo», a que aludimos, até terá a ver com essa pobreza de recursos, revelando-a, já que é de programação e de consumo público mais fácil e extensivo na medida em que corresponde aos hábitos e gostos populares. Possivelmente, a pouca ou nenhuma coloração partidária da iniciativa contribuirá também para a respectiva procura. Porém, se quisermos uma saída da situação, teremos que aspirar a uma autêntica elevação de nível, reconhecendo que o género «espectáculo», normalmente associado à música, não chega para preencher os programas culturais concelhios.
Uma noção elementar do que é cultura precisa de se focalizar nitidamente na linguagem articulada, reconhecendo que é nesta matriz que o principal acontece. A enunciação requer a palavra e é pela palavra que nomeamos, descrevemos, definimos, sentindo passo a passo que sem a nomeação a coisa nomeada não tem existência plena ainda que se trate, por exemplo, de uma pintura, ou música, ou dança. Quer isto dizer que uma boa vivência cultural, com nível dignificante, terá que englobar a escrita e a leitura praticadas em livros, jornais, conferências, palestras, debates?
A desejada elevação do nível cultural interessa hoje, vitalmente, não só à valorização das populações; também interessa ao desenvolvimento da economia regional dadas as sinergias múltiplas que ligam ambas as esferas de actividade. Acresce o seguinte: cada concelho interliga-se de modo complexo com os seus outros concelhos vizinhos e tanto que, pelo menos até certo ponto, por eles se vê condicionado. A Bairrada precisa de deixar de ser um mosaico de municípios justapostos e, com verdadeira visão regional, transformar-se em «marca». A região reclama essa «marca» urgentemente para se levantar com bandeira qualificada pela afirmação do seu melhor nível cultural.
Tudo isto aponta, afinal, para a grande conveniência de se criar na região uma entidade com categoria e competência culturais e com condições suficientes para animar a Bairrada como um todo. Existiu por aqui, há anos, uma Associação de Municípios orientada para tal fim, mas não saiu do papel. Existiu também uma Associação de Jornalistas e Escritores da Bairrada, que paralisou. É tudo? e é nada.
Apareça, então, sem demora, um organismo virado para a cultura regional, que agregue os municípios (Águeda, Oliveira do Bairro, Anadia, Mealhada, Cantanhede e talvez Vagos?) e os projecte no quadro nacional. O marasmo reinante não põe a brilhar a Bairrada e assim todos os bairradinos perdem.
Arsénio Mota*
*Escritor