Os rendimentos do sal de Aveiro "evaporam-se" na demora no escoamento, as salinas "dissolvem-se" nas águas da Ria por falta de manutenção e apenas se conservam métodos ancestrais enquanto subsistirem velhos proprietários e marnotos. O quadro sombrio é traçado num estudo que está a ser feito sobre o salgado de Aveiro, realizado no âmbito do projecto Sal do Atlântico, que integra o programa europeu Interreg IIIB. A primeira parte desse estudo (diagnóstico), realizado pela Multiaveiro, vai ser colocada segunda-feira na página da Internet da Câmara de Aveiro, para participação pública, na sequência da Feira Internacional do Sal, organizada pela autarquia. De acordo com o documento, a que a Lusa teve acesso, a instabilidade das condições atmosféricas, a necessidade de diminuir as despesas e o facto de haver dificuldades em vender a produção de anos anteriores, levam proprietários e marnotos a encararem o futuro sem grandes esperanças de melhoria. Os hábitos modernos, em que os frigoríficos substituíram as salgadeiras, a competição com marinhas de maiores dimensões, mecanizadas e com grande capacidade de produção a baixo custo, bem como a importação de sal, que chega a ser seis vezes mais barato do que o tradicional, são causas apontadas para a ruína do sal de Aveiro, que já foi o maior centro produtor e exportador português. "A quantidade produzida e preço praticado torna pouco competitivo o sal aveirense para o sector da distribuição ou mesmo para a indústria, enquanto matéria-prima", vinca o diagnóstico, dando conta de dificuldades por parte dos armazenistas em escoar a produção local por esses motivos. As indústrias da salga, nomeadamente de bacalhau e presunto continuam a ser os grandes consumidores do sal marinho de Aveiro, mas mesmo essas têm vindo a reduzir o seu consumo. Preço, quantidade e tempo de entrega, são factores competitivos a que o sal tradicional de Aveiro não consegue dar resposta. Além do preço, a concorrência do sal marinho industrial tem capacidade de colocar no mercado quantidades estáveis ao longo do ano. Se as salinas de Aveiro perderam manifestamente o seu interesse económico, o que representam em património cultural e paisagístico justificam esforços para lhes encontrar um futuro. Imunes ao ciclo diário das marés, as salinas albergam uma parte significativa das aves aquáticas que povoam a Ria de Aveiro, servindo-lhes de fonte de alimentação e de abrigo. Com o abandono da exploração das marinhas, a falta de manipulação sazonal do nível da água dos tanques pode conduzir a alterações profundas das espécies piscícolas e da avifauna, designadamente afectando as populações de aves limícolas e migratórias, muitas delas protegidas por Directivas Europeias, com as dificuldades acrescidas na nidificação, devido à deterioração dos locais. "A perda de uma salina representa o desaparecimento de um importante sistema ecológico e biológico", refere o diagnóstico, alertando para o efeito de cascata da progressiva degradação dos muros de protecção ("motas"), que provoca o arrombamento das marinhas vizinhas. A maioria dos proprietários são pessoas de idade avançada (média de 67 anos), possuem mais que uma marinha, na generalidade dos casos herdada dos antepassados. Os marnotos, que exploram as marinhas e fazem os trabalhos duros, são pouco mais novos, com uma idade média aproximada de 54 anos. O trabalho é sazonal, entre Março e Outubro, o que os leva a ocupar o resto do tempo na pesca, na agricultura, ou na construção civil. Em 1970 encontravam-se ainda activas cerca 270 marinhas, que produziam aproximadamente 60.000 toneladas anuais, mas o diagnóstico agora feito apenas sinaliza 39, das quais só 15 se mantêm em actividade, mesmo contando com as dedicadas à piscicultura. Muitos dos proprietários admitem vendê-las face aos elevados investimentos necessários para as recuperar, devido à degradação em que se encontram ou mesmo alagamento. Outros resistem, apontando valores sentimentais relacionados com o facto de serem um património familiar. |