A chanceler alemã, Ângela Merkel, baseada num recente projecto franco-alemão que culminou na publicação de um livro (manual) de história (Histoire/Geschichte) comum para os liceus dos dois países, desafiou a Europa dos 27 a escrever também um manual único europeu. O projecto, iniciado pelo ainda presidente francês Chirac e pelo anterior chanceler Shroeder, criou um grupo de especialistas e dizem ter conseguido chegar a um texto aceitável e aplicável nas escolas de ambos os lados do Reno com uma “visão comum da história” do pós guerra (o volume trata os acontecimentos depois de 1945). A ideia foi recebida com muitas reservas, por exemplo, dos polacos, dinamarqueses, holandeses, checos e britânicos, com a tradicional postura de “não me comprometas portuguesa” e com o apoio espanhol. Que acha o leitor desta ideia? Eu tenho demasiadas dúvidas de que esta ideia não seja pouco mais que propaganda alemã para o início da sua presidência da EU. Explicando melhor: a Europa não conseguiu ainda entender-se para criar um texto de uma constituição comum, pelo que esta ideia, pode apenas servir para desviar as atenções sobre a incapacidade alemã de apresentar uma redacção aceitável por todos. Confesso que também não deve ser tarefa fácil, como difícil deverá ser explicar aos dinamarqueses que o seu rei, Cristian o Bom, seja conhecido pelos suecos como Cristian, o Tirano. Então se Europa não consegue entender-se quanto aos valores fundamentais que regem a nossa sociedade, como vai contar a história, sem criar embaraços, por exemplo, do problema da divisão de Chipre, ou a sanguinária guerra dos 100 anos, que originou todos os poderosos estados europeus que se envolveram nas grandes guerras mundiais? Como tratará o problema nazi versus o poder e holocausto judeu? Qual a relevância da expansão portuguesa quinhentista versus as descobertas espanholas? Francamente, acho útil fornecer aos estudantes europeus a história comum da Europa dos pós guerra, a história que verdadeiramente é possível fornecer sem constrangimentos e que é a história da Paz, da construção do desígnio comum que se chama CEE por forma a fortalecer esta ideia de Europa que começa a desvanecer-se pela incapacidade dos políticos actuais. Não acho que estas ideias alemãs ingénuas, mas, sim fazendo parte duma estratégia um pouco tonta para marcação de agenda política. Como escreve o historiador João Marques “A história não é escrava da actualidade e o historiador que se preza não imprime sobre o passado os esquemas ideológicos contemporâneos nem olha os acontecimentos antigos à luz das sensibilidades actuais. O facto de este manual ter sido encomendado por Chirac e Schröder não surpreende, pois a história sempre aguçou o apetite dos políticos. A possibilidade de moldar o passado de acordo com as metas e conveniências de cada momento é demasiado tentadora e desde os alvores do tempo histórico que os chefes de linhagens, de clãs, de estados procuraram promover alianças através da manipulação da memória do passado, estivesse ela plasmada nas genealogias e sistemas de parentesco ou na monumentalidade evocativa dos acontecimentos marcantes.”
António Granjeia* *Director do Jornal da Bairrada
Documentação consultada: - http://www.iict.pt/dociict/HL07020501.pdf
- http://www.nathan.fr/catalogue/catalogue_detail_enseignants.asp?entite=&ean13=9782091727905
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