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03-01-2007

Mais uma corrida, mais uma viagem.


Editorial - O nosso sistema

Por vezes, a leitura de alguma coisa neste tempo de semi-férias retira-nos a inspiração. Retirei o comentário de um blog da Internet, “a fuga” que faço publicar com a devida vénia. Apenas vos digo que este texto é antigo e do tempo em que o IVA era a 19%. Bom ano de 2007.

Imaginem um Francisco. Este Francisco é um quadro técnico de máxima qualidade, especialista no que quer que seja. Um daqueles tipos que são muito valiosos por serem muito espertos e/ou muito inteligentes e/ou muito trabalhadores e/ou muito dedicados e/ou muito sensatos e/ou absolutamente geniais e/ou muito do que quer que seja. O Francisco não tem empresas, não recebe dividendos, não herdou, não tem aplicações financeiras de milhões, não é proprietário de imóveis, não acede a 'private banking', não tem contas nas Ilhas Caimão, não tem pais ricos e nunca foi a Gibraltar.O Francisco entrega a sua declaração de IRS em Março.

Não tem nenhum rendimento para lá do seu ordenado. No recibo de vencimento do Francisco pode ler-se o montante de 4.300 Euros mensais brutos a que acresce subsídio de refeição (Nota:4.300*14="60.200)." O Francisco é invejado por muitas empresas. Andam por aí umas multinacionais que não se importavam nada de o ir buscar e as “head-hunters” fazem-lhe propostas sedutoras. Pagam-lhe mais, se ele quiser ir para Espanha ou para os States.

O Dr. Ambrósio, patrão do Francisco, não o quer perder. Faz contas e decide premiar o esforço e a dedicação do seu melhor técnico. O Dr. Ambrósio decide reforçar o orçamento na parte que diz respeito aos custos do Francisco em mais 10.000 euros por ano.

O Francisco fica muito feliz. A empresa vai gastar mais 10.000 euros por ano com ele. Parece muito bom. Mas depois faz contas.

1. 10.000 Euros a dividir por 14 meses: 714 euros/mês.

2. Taxa Social Única suportada pela empresa: 136 euros/mês.

3. Taxa Social Única suportada pela empresa mas atribuída ao Francisco: 64 euros/mês.

4. IRS marginal (escalão dos 42%): 234 euros/mês.

5. Imposto de Selo: 3 euros

Sobram ao Francisco 269 euros/mês, que lhe permitirão adquirir 226 euros de produtos com IVA a 19%, se excluir álcool, tabaco, combustíveis ou automóveis. Feitas as contas, para o Dr. Ambrósio agarrar o Francisco, por cada 31,5 euros que lhe der a mais, tem que alimentar o monstro com 68,5 euros. É mais do dobro. Dos 10.000 euros, nem sequer 1/3 são para premiar o Francisco. Há quem ache isto muito, muito bem. Mas não é. É apenas a institucionalização do absurdo.

Conclusão da história: O Francisco vai trabalhar para Espanha. A nova empresa para a qual o Chico trabalha abre uma delegação em Portugal e conquista metade da quota de mercado da empresa do Dr. Ambrósio que é obrigado a despedir 50 trabalhadores. Para protestar contra os despedimentos, o sindicato organiza greves e estoira de vez com a empresa. O Dr. Ambrósio, cansado, vende as acções a uma multinacional coreana e protege os dinheiros recebidos numa offshore bem longe de Portugal. Os coreanos encerram a produção em Portugal e passam a importar todos os produtos da Coreia e da China. Para fazer face às crescentes necessidades das políticas sociais e ao aumento de desemprego o governo aumenta o IVA para 23% e cria um novo escalão marginal de IRS de 48%.

"Mais uma corrida, mais uma viagem."

António Granjeia*
*Administrador do Editorial do Jornal da Bairrada


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