Transcorreu há poucos dias a celebração do Thanksgiving, ou dia de acção de graças . Foi precisamente em 1789 que George Washington emitiu a primeira proclamação de “Thanks giving”. Agradecendo “sincera e humildemente” as benesses recebidas pela jovem nação.Washington pediu que os americanos “se unam em humilde oferta de orações e súplicas ao Grande Deus das Nações, e lhe peçam perdão pelas nossas transgressões nacionais e outras.” A oração do primeiro presidente foi uma oração de humildade e reconhecimento. Muito diferente da atitude de orgulho e prepotência dos actuais governantes que, com frequência, lembram que o país é “o mais forte, o mais rico e poderosos do mundo”. As pessoas, com um bocadinho de formação humanista, não falam assim, alardeando a sua riqueza e poder, perante a fraqueza e a pobreza de uma grande parte do mundo. O facto de Washington ter reconhecido que as nações também cometem “transgressões” e nem sempre são justas nem verdadeiras, parece ser uma lição desaprendida pelos novos governantes. Porque tambem nós cometemos erros, e de palmatória, como esta miserável guerra do Iraque. Desde o início que eu, que não sou bruxo nem possuo poderes sobrenaturais, estava convencido do que iria acontecer. E que o Iraque seria um segundo Vietname. A invasão do Iraque ficará na história como uma grande “transgressão”, no dizer de George Washington. Uma invasão injustificada, baseada em informações cozinhadas e temperadas à maneira de quem a concebeu. E, agora, estamos todos pagando por esse erro crasso, em sangue, fazenda e prestigio nacional. Embriagados pelo poder militar, julgaram que, com meia duzia de bombardeamentos maciços, os iraquianos se entregariam e receberiam os nossos soldados com flores. Uma comissão de “homens de bem”, composta de democratas e republicanos, chefiada pelo antigo secretário de estado republicano, Jim Baker, acaba de publicar um relatório arrasador da petulância e orgulho dos responsáveis, contradizendo tudo aquilo com que o Presidente e os seus acólitos da extrema direita têm andado a enganar o povo americano, Isso de querer impor democracia pela força, no seio do mundo islâmico, foi uma burrice da pior espécie. Um plano que só gente ignorante da realidade histórica, política e humana, da região poderia conceber. E agora temos à vista o escandaloso resultado desse engano, vendido sofísticamente ao povo americano. Esta guerra do Iraque ficará na história como uma transgressão de “proporções épicas”. Porque as nações como reconheceu o general Washington, tambem transgridem. E assim, derrubámos um monstro, e criámos no Iraque um monstro muito pior. Lançámos o país num caos de sangue e discórdia.Os mais importantes valores da sociedade iraquiana estão fugindo para o estrangeiro. As lutas sectárias transformaram o país num autêntico vulcão de ódio étnico e religioso, sem esperança de jamais poderem formar uma nação democrática, coesa e responsável. E estamos em crer que, enquanto houver um soldado americano no Iraque, a luta fratricida continuará. De nação admirada pelo seu progresso, cultura e bondade da maioria do seu povo, composto de gente de todo o mundo, a América passou a ser uma nação odiada, não só no mundo Islâmico, mas criticada nos próprios países democráticos do Ocidente. Resta saber o que o sr. George Bush tenciona fazer ao relatório que acaba de receber, com críticas profundas às decisões que tem tomado, responsáveis pela morte e estropiamento de tantos milhares de inocentes, tanto de cá como de lá. E muito especialmente daquele desgraçado país onde o caos, o sangue e a destruição substituíram o ditador Sadam Hussein. E agora,só nos resta retirar com armas e bagagens. Fazer o que a jornalista Rosa Brooks, do “Los Angeles Times”, diz ter visto pintado numa parede de Bagdade: “ALL DONE, GO HOME”. Manuel Calado* *Jornalista |