1. Talvez, à primeira vista, poderia parecer que um cidadão banqueiro do Bangladesh nada poderia trazer de novo ao mundo, ou então que a sua entidade bancária - como estamos habituados - seria para enriquecimento e lucro próprios, sugando o juro do seu pobre povo. Não é o caso e ainda bem que existem estes casos que merecem destaque pelo sinal que são em termos de urgente mudança de mentalidade. O Nobel da Paz 2006, atribuído há dias ao “missionário” criador do Microcrédito, em dias em que se lembra a “chegada à lua” desta geração, “sonho” este espelhado no Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza (17 de Outubro), toda esta conjuntura quer despertar decisivamente uma boa parte do mundo distraído. Muhammad Yunus, no seu reconhecimento, nem que seja só por uns dias, quer simbolizar que é possível ir muito mais longe; mostra-nos que a pobreza não é uma fatalidade, que o mundo pobre é capaz de empreender para construir um futuro melhor para si e para as suas famílias e nação. Desta personalidade vemos a convicção de que é possível mudar, mas para lá chegar há que dar a vida pelas causas em que se acreditam, assumindo o doloroso valor base da “resistência” no ideal que se procura? Tão diferente, por vezes, da tão “frágil” existência ocidental de quem já nasce com as mãos cheias de tudo!... 2. O percurso do Nobel diz-nos que a autêntica “cooperação” exige mesmo o regresso à terra natal e aí saber semear esperança, visão, empreendimento; ou seja: do “nada” criar “tudo”! Muhammad Yunus, vale a pena apercebermo-nos, é banqueiro e economista doutorado por prestigiada universidade norte-americana. Tendo sido convidado para lá ficar comodamente a leccionar, deixa o mundo rico dos EUA e vem para a sua terra natal, o pobre Bangladesh. Aí é integrado em universidade local, ficando responsável pelo programa de economias rurais. Foi nesta qualidade que, em 1974, levou os alunos a uma visita de estudo às paupérrimas zonas rurais, onde espontaneamente emprestou dinheiro do próprio bolso (o equivalente a 21 Euros) a um grupo de artesãos de cestas de bambu na cidade de Jobra para que tivessem a oportunidade de expandir o negócio. Foi deste gesto tão simples, ele que depois manifestou a sua disponibilidade para a gestão de uma “empresa de aldeia”, que nasceu o que hoje se chama o Microcrédito que tem proporcionado ao longo de todos estes anos o apoio, “não dando o peixe mas ensinando a pescar”, a mais de 500 milhões de pessoas, sobretudo na Ásia, mas também já em Portugal. 3. O exemplo de Muhammad e todo o apoio pedagógico do seu Grameen Bank (pelo Microcrédito que concede empréstimos a pessoas muito pobres no valor médio de 247 Euros, sempre como estímulo ao empreendimento nomeadamente a pequenos negócios ligados à agricultura, comércio e serviços básicos), vem-nos sublinhar que é possível inverter o ciclo da história. Escusado será dizer ou contar os quantos milhões de pessoas que já foram “salvas para a sobrevivência” por esta modalidade que tem inspirado muitas instituições, no usar do Microcrédito, até que a própria ONU consagrou 2005 como o Ano Internacional do Microcrédito. Nesta atribuição do Nobel da Paz 2006 ao cidadão do mundo e do pobre Bangladesh, vem a academia sueca colocar a luta contra a pobreza, a redução das desigualdades e a promoção do desenvolvimento humano, como condições essenciais para a paz na humanidade. Será a 10 de Dezembro, Dia dos Direitos Humanos que todos os pobres falarão nas palavras do galardoado quando este receber o Nobel; será uma autêntica “lição” para a humanidade em nome de vidas que morrem à sede e à fome e que não têm voz; mas será muitíssimo mais que isto: diz-nos este Nobel que os países pobres têm capacidades de visão, empreendimento e frescura de espírito inovador, e que todos nós temos, acima de tudo, que mudar a nossa mentalidade? Aquela ideia do mundo rico que suga os recursos naturais dos países pobres e mantém a seu interesse a guerra nos países que explora, esta ideia péssima, tem, felizmente, os anos contados! 4. O Nobel da Paz deste ano dá a todos um impulso de energia e compromisso, também a nós (triste e desmotivado) Portugal que é o país da Europa com maior desigualdade entre ricos e pobres. Do comentário ao compromisso, do “nada” à invenção de “um projecto”, da ideia de que tudo está mal ao agarrar “cada dia” com energia e motivação, do conhecimento científico dos livros ao sempre mais serviço das populações, de uma economia teórica à economia social ao serviço das pessoas concretas? estas entre tantas outras “lições” recebemos deste testemunho de vida que mudou milhões de vidas. Poderemos, na nostalgia pessimista “agarrada” ao nosso ADN português, dizer, melancolicamente, que isso são os outros que são capazes pois eles têm a vida fácil (no Bangladesh?!), que está tudo mal (e que eu faço de bem?!), que somos sempre os piores? Nada disso! Será preciso passar da crítica de café (ou da “crisofilia” que nos fascina) ao compromisso de fazer tudo o possível por uma participada CULTURA DA VIDA e da dignidade humana para cada um e para todos! 5. Claro que há muitas realidades que estão mal? Aí é que estará o desafio para construir?a força e o poder dos cidadãos unidos e motivados é mais forte que parece. Todavia, antes de tudo, só com duas “pobrezas” resolvidas é que o barco andará para a frente, são elas: a “ignorância / insensibilidade” e a “indiferença”. Que estas não cresçam mais!... Se desaparecer esta pobreza de valores solidários (que dramaticamente agrava o fosso entre ricos e pobres), então, apostamos que haverá pão, água e dignidade de vida para todos!... Alexandre Cruz* *Centro Universitário de Fé e Cultura |