Li e recortei, com a intenção de fazer eco deste facto no início do novo ano escolar. Cá estou a concretizar o propósito. Fala-se de uma atitude que contradiz a mentalidade corrente e por isso merece maior menção, pela sua actualidade, importância e sentido. Veio publicado no jornal Publico (28.04.2006) em editorial do seu director. Trata-se de um pai que, ao levar o seu filho à escola para iniciar a aprendizagem, pede ao professor, entre outras coisas, as que seguem: “Faça-o aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas, por favor, diga-lhe que por cada vilão há um herói, que por cada egoísta há também um líder dedicado. Ensine-lhe que por cada inimigo há também um amigo; ensine-lhe que vale mais uma moeda ganha que uma moeda encontrada; ensine-o a perder, mas também a gozar a vitória. Faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales. Ensine-o a acreditar em si próprio, mesmo se sozinho contra todos; ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram; ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho; ensine-o a rir quando está triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram; ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão?” O pai que fazia todos estes pedidos ao professor do seu filho foi Abraham Lincoln, 16º presidente dos EUA. Deixou marcas importantes na história do seu país, como a luta contra a escravatura, que lhe valeram perseguição e morte. Um homem com dimensão Ouvimos por estes dias projectos que falam de uma escola para todos, capaz de preparar os alunos para a vida profissional, de modo a ter resultados que honrem o país. Projectos que formem pessoas e as ajudem a ser e não apenas a fazer, passam pouco na conversa dos pais e dos mais responsáveis. A escola que não ajuda a fazer homens abertos e responsáveis, capazes de colaborar, de dialogar e de conviver, de crescer de modo harmónico, capazes de admirar os outros e a beleza da natureza, sérios e críticos, não realiza a sua função. Isto obriga a escola a rever o que é, o que faz, como e quem o faz e qual o sentido. Remendos em vestido velho não o tornam novo. Ensinar para os exames e para as estatísticas de cá e de fora é tão pouco que é nada. Quando haverá coragem no fim de cada ano para examinar o desenvolvimento da personalidade, a capacidade de relação, o amor ao trabalho, o grau de responsabilidade, o respeito pelos outros, a sensibilidade à injustiça e à mentira, o sentido crítico com base em valores? Lincoln queria que o filho fosse um homem equilibrado e sensível e pedia à escola que o ajudasse nesse sentido. Há pais que o que querem hoje é que o filho passe, mesmo que não saiba e arranje depressa emprego, mesmo que tenha de passar por cima de outros, mais capazes e competentes. Quem saiba apreciar dizeres e projectos de governantes, lutas de sindicatos, preocupações de pais, e vá conjugando o seu juízo com as atitudes negativas e desinteressadas do dia a dia por parte de muitos professores e alunos, se tem alguma esperança num futuro positivo para a sociedade, não pode deixar de ficar preocupado. O futuro joga-se, socialmente em grande parte, na família e na escola. Duas aliadas que não se podem separar, nem ignorar. Não podem caminhar paralelas e muito menos agredindo-se mutuamente. Por infelicidade quem vai fazendo história são as minoriasprotegidas. O comum das pessoas sensatas, que são a grande maioria, deixou de ser considerado. O país pagará preço elevado pelas inércias, miopias e pressões sociais que atingem o nosso sistema educativo, mesmo com a justeza da algumas medidas tomadas. D. António Marcelino* *Bispo de Aveiro |