Desde o início da Nacionalidade com D. Afonso Henriques, que o municipalismo se afirmou como uma forma de poder que significou desenvolvimento das diferentes regiões de Portugal. O auge foi atingido no século XIX, onde o impulso municipalista provocou até a ilusão de que fosse a solução de governo ideal como achava Alexandre Herculano. A corrupção e o endividamento descontrolado de alguns municípios acabou por minar os últimos governos municipalistas e o caciquismo perdurou durante o final do regime monárquico e na primeira república. O Estado Novo não deu grande importância aos municípios e estes, em muitos casos, foram meras extensões do poder central. O 25 de Abril devolveu às câmaras municipais a legitimidade popular do governo e estas voltaram a liderar o processo de desenvolvimento em Portugal. Foi a acção determinada e patriótica de muitos autarcas, que manteve a unidade e a continuidade funcional do Estado, durante as convulsões revolucionárias pós 25A. Foi devido à resolução de muitos dos problemas e à progressiva aproximação entre governados e governantes que as autarquias consolidaram a sua importância na estrutura de poder nacional. E a sua força foi crescendo à medida que no Estado foi aumentando a ineficácia e ineficiência dos serviços. Mas o governo autárquico está hoje em crise. Numa crise que espero de fortalecimento e reconstrução. Talvez isso explique a crescente tensão existente acerca do financiamento municipal pelo governo. Entende-se que as autarquias reajam mal aos cortes anunciados pela administração e percebe-se que não compreendam razões pelas quais as crescentes responsabilidades delegadas pelo governo sejam acompanhadas cada vez com menos dinheiro. Considero que a motivação de reduzir a despesa pública deva passar também pelas autarquias, mas, não apreendo que o esforço seja descompensado entre as autarquias e o governo central. Também não percebo, como diz a ANM, que se passe para os municípios a responsabilidade da diminuição da carga fiscal enquanto o governo não tenciona baixar impostos Não por hipocrisia fiscalista, mas, pelo simples motivo de que essa medida não é socialmente justa e prejudica o principio da homogeneidade nacional. A lei, se implementada, aumentará as discrepâncias entre o interior e o litoral e devotará o interior à desertificação. Mas a crise é mais profunda. A visão territorial da maioria dos autarcas impede a solução de problemas de escala regional, sendo infelizmente também acompanhada pela ineficácia e prepotência das comissões de coordenação regionais. Por modelo territorial, defino a divisão administrativa e cultural que sobrevaloriza as pequenas diferenças geográficas, tradições locais e costumes em desfavor do todo da região e do país. Quantos teatros, centros culturais, piscinas, campos de futebol foram construídos ao abrigo desta visão de capela e ficam depois a consumir desnecessariamente as depauperadas finanças municipais, porque não foram pensadas num raciocínio de rentabilidade, mas apenas numa lógica meramente política? O modelo de financiamento das autarquias deverá gradativamente evoluir para a atribuição de poder tributário próprio, de modo a que os autarcas sintam o ónus político de tributar e regulem as despesas em função dos meios financeiros cobrados. O estado deverá continuar suprir equidade territorial necessária à unidade nacional e guardar para si as tarefas que nos unem como nação (educação, saúde, assistência social etc). Este é o desafio do futuro e a oportunidade de mudar o paradigma da governação local. |