A guerra parece que terminou no Líbano. Puro engano. Entrou numa fase diferente. Talvez aquela etapa em que os canhões, as bombas, os raids aéreos ou voos rasantes e furtivos dos mísseis katiouska não sejam notícia do dia a dia. Mas a guerra prossegue. O cessar-fogo é apesar de tudo, um alívio para aqueles que não vêem no outro o extremo mal ou o diabo. Assim, conseguem voltar às suas casas destruídas, pensando de imediato na sua reconstrução ou ver as cidades rapidamente a reganharem o fervilhar do cosmopolitismo. Mas a fase da guerra que se segue, e que já se nota no terreno, tem como único objectivo preparar o próximo assalto. De início, é uma guerra de influências para o controlo e definição do tipo de mandato da força de interposição da ONU. Nesta guerra surda, os beligerantes esgrimem os seus trunfos por interpostos países, no sentido de terem os favores indirectos para continuarem a atacar o seu vizinho. Ao mesmo tempo que a diplomacia tenta abrir caminho por entre indecisões, medos, faltas de coragem e hipocrisias, alguns países tentam marcar pontos no tabuleiro estratégico da região sem se comprometerem demasiado. Depois, ainda existem aqueles que, nunca tendo intenção de participar, farão a parte, tal qual num qualquer bluff de jogo de cartas. Ao mesmo tempo, começa a guerra do dinheiro e da compra de aderentes. O Hezbollah oferece agora um subsídio de 12000 dólares (10000 euros) a cada família cujo lar foi destruído pela que a guerra, que eles instigaram. Do outro lado, os ocidentais (americanos e europeus) vão ajudar o Líbano com mais 270 milhões de euros. É a guerra das influências a preparar o caminho das próximas lutas. Arranjar militantes e descontentes com os israelitas pelos extremistas xiitas e por outro lado facilmente desacreditar um governo libanês de ficção que, depois do assassinato de Rafic Hariri, é apenas um bando de marionetas. A guerra libanesa é no fundo uma tensa contenda de relacionamento entre as diferentes comunidades religiosas e sectárias que dividem o espaço e o poder no país. Talvez enquanto o conflito com Israel estava no auge, o clima era de uma falsa unidade nacional, tendo o nível de crítica baixado contra o Hezbollah, supondo a reacção judia desajustada na força à captura de soldados pelos fundamentalistas xiitas. Mas conseguido o frágil cessar-fogo, muitas e influentes vozes começam a levantar-se contra o grupo terrorista como o sunita Saad Hariri (filho do ex-primeiro-ministro assassinado Rafik Hariri) ou o líder druzo Walid Jumblat. O verdadeiro problema é que não existe um Estado no Líbano. Um estado que não permita a existência de um grupo político que simplesmente declare guerra a um país vizinho de acordo com sua vontade. Ou ainda cristãos, que, preferindo uma não afirmação convicta das suas ideias e vontades, se subjugam ao maior poder da região. António Granjeia* *Administrador do Jornal da Bairrada
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