Quando era rapariguita, o Pai levou-me a conhecer todas as caves da Bairrada e não só. Era muito bem recebido em todas, chegando a ter as "suas" garrafas de espumante. Quando chegávamos, dirigia-se ao local certo, onde o esperavam garrafas de "bruto", pois não bebia outro, a acompanhar leitão assado. O seu grande desgosto era eu não apreciar espumante. Lá bebia um golo para lhe agradar. Com ele conheci várias caves. Em Lamego, os donos da Raposeira, também quiseram que eu provasse um pouco do espumante, que tem o seu nome. Mal lhe toquei. Apesar disso, ofereceram-me um álbum de postais e levaram-me a conhecer tudo o que nesta cidade merece ser visto. O espumante de que gosto mais é o da Murganheira. Não sei como serão agora as caves. Quando as visitei, eram cavadas na rocha, local ideal para conservar os vinhos. Situam-se num sítio privilegiado pela Natureza, em pleno coração do Minho, Águeda fica na Bairrada, mas as verdadeiras "capitais" do espumante são Anadia e a Mealhada. Habitando a parte alta, não tenho a sensação de planície ou planalto, de pequena altitude desta região. Gosto de a percorrer, no Outono, quando os seus vinhedos se cobrem de cores fantásticas, que vão dos amarelos, aos laranjas, aos róseos, até aos vermelhos. Já vi uma natureza ainda mais bela no Canadá, também no Outono, em que as folhas das árvores tomam matizes quase inacreditáveis. Nessa época é proibido varrer as folhas caídas. Não dura muitos dias, tal como a cor dos vinhedos bairradinos. Mas, se durassem mais, contundiriam com o sistema nervoso. Temos um limite para o belo e para o seu contrário. Voltando à região demarcada, direi que foi grata (infelizmente, a título póstumo), por quem lutou pela sua criação, erigiu, um muito feio busto do Pai, ainda por cima vandalizado. Ignoro a razão que levaram indivíduos a maltratar o monumento. Há muitos bustos nesta cidade, alguns com rabiscos feitos por crianças e adolescentes No entanto, não se pode chamar a isso vandalismo. Porque será que só o busto do Pai foi assim vandalizado? Achá-lo - ão demasiado feio? Não me parece que o odiassem. Quando saio à rua, há sempre pessoas que se me dirigem, de maneira muito agradável, sem eu as conhecer. Mas dizem que me pareço, quer com o Pai, quer com a família do Avô materno. Volto a repeti-lo, foi graças a ele que os vinhos da Bairrada puderam emparceirar com os melhores, não só nacionais, mas estrangeiros. Conheço bem a França. Foi, com agrado, que vi à venda vinhos portugueses, entre os mais caros. E não são os imigrantes, que os compram sistematicamente. A esses interessa mais a aquisição de uma casa luxuosa, de carros, que deslumbrem os seus concidadãos, que a aquisição sistemática de vinhos de alto preço. Que alegria se espalhou no rosto do Pai, quando lhe contei que os "seus" vinhos eram tão apreciados. Se não herdei dele o gosto de percorrer caves, já herdei este gosto de escrever para os jornais, que apreciam o que escrevo e me solicitam que o faça. Tratamos de temas diferentes, é certo, mas escrevemos. Embora gostasse de bom vinho, nunca esteve de acordo com o estafadíssimo (e agora posto de parte) slogan de Salazar:"Beber vinho é dar de comer a um milhão de Portugueses”.
Ana Maria Urbano Vian Costa* *Doutora em publicidade pela Universidade Francesa de Poitiers |