1. Talvez agora, em tempo de inverno frio e às vezes molhado, não nos apercebamos de todas as consequências da seca, e já tenhamos mesmo esquecido que há alguns meses andávamos aflitos, por todo o lado, à procura da água. Se uma certa e estudada desorientação do clima vai sendo sinal da nossa menos cuidadosa interferência na natureza, cabe-nos agora apurar, no máximo possível, a nossa própria sensibilidade de zelo para com o ambiente, fazendo mesmo sentido perguntarmo-nos como estamos a aguardar a água que no verão tanta falta nos vai fazer. Poupamos e guardamos a água - um bem vital! -, ou deixamos que corra rio abaixo para o mar salgado, continuando a não administrar convenientemente um precioso bem natural? A pergunta (possivelmente) será retórica, pois não temos “onde” fazê-lo (para além das albufeiras) e somos dos que mais confiamos no ‘desenrasque’ da hora aflitiva? Às vezes confiamos demais no São Pedro das chuvas (quando ele nos aconselha a gerirmos bem a vida e a guardarmos a preciosa água)!... Talvez, a este respeito, seja por termos o imenso mar sempre aqui ao lado, nação de longa e afectiva costa que fez sonhar além-mar navegadores e poetas, mas país que ainda não captou todas as mil possibilidades do mar, até como fonte de possível água potável que poderia fazer de nós um lindo jardim apetecível da Europa! 2. Não falamos dos desertos por influência do rali Dakar, que mostra ao mundo as belíssimas paisagens de um ecossistema tão especial como o deserto. Apercebendo-se das grandes e graves questões da desertificação à escala global, e como ponto de confluência de questões sociais, a ONU proclamou (em 17 de Junho 2005, no Dia Mundial do Combate à Desertificação) 2006 como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação (http://www.iydd.org ), declarando “a desertificação como uma das formas mais alarmantes de degradação do ambiente”. Pretende ser este ano uma oportunidade de alerta da população mundial sobre o aumento do número de desertos no mundo, na promoção dos meios de salvaguardar a biodiversidade das regiões áridas (que constituem um terço do planeta), e dinamizando a protecção do conhecimento e cultura de mais de dois biliões de pessoas que são afectadas pela desertificação. Falar da falta de água potável (em mais de um quarto da população mundial), da redução do alimento disponível, da pobreza, fome,? é hoje, pelas agravadas consequências da crescente desertificação, levantarmos a questão cada vez mais premente do futuro em termos de desenvolvimento humano que se procura equilibrado, justo e harmonioso. Quer nas causas quer nas consequências, falar de questões ambientais e do desenvolvimento sustentável, é aproximarmo-nos das grandiosas questões humanas que desafiam este século, e diante disto ninguém pode ficar indiferente. 3. Educar para a preservação da natureza, numa sensibilidade de quem sabe gerir e economizar, pelo “sentido do outro”, da luz eléctrica acesa ao copo de água no lavar dos dentes (como se falava no verão seco!) será hoje dos desafios grandiosos à nova geração que nasce com quase tudo inventado e comprado. Mas nenhum dinheiro pagará o que se gasta e se põe fora em excesso (até em comida?...), quando toda a falta faz às pessoas como nós que secam nos desertos da indignidade humana? Sendo certo que as alterações climáticas em realização falam-nos de todas as incertezas quanto ao futuro, também é verdade que a especial sensibilização deste ano poderá despertar mais os compromissos anti-desertificação. Também para o nosso próprio país litoralizado, na promoção de mais equilíbrio num mapa que hoje nos mostra um interior desértico? Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU sublinha que espera ao longo deste ano “trabalhar em conjunto com os Governos, sociedade civil, sector privado, organizações internacionais, entre outros, para focarmos a nossa atenção neste assunto crucial, tentando inverter a situação da desertificação e direccionar o mundo para um caminho mais seguro e sustentável que visa o desenvolvimento”. 4. Quanto a nós, pelas mais variadas razões e também por falta de visão e concertação colectiva, é uma sensação de abandono?vermos mais de duzentas escolas primárias a fechar e algumas freguesias de Portugal a terminarem a sua história nacional (estando algumas já há bons anos compradas por holandeses, alemães, ingleses). Será problema demográfico (a vida modificou-se), também é certo. Mas, imersos na cultura (das corridas loucas) da Cidade, terá sido défice de estratégia a longo-médio prazo. Que 2006 seja ano de retardar o deserto, reinventando o gosto da interioridade. Até porque a água de alguns rios nasce lá e na sua pureza original propõe-nos mais saúde e maior preservação ambiental. O que nos será possível a este respeito para que a secura não avance?... Temos de estar prevenidos, pois tal como a grande floresta verde atrai a chuva, do mesmo modo o abandono atrai deserto! Alexandre Cruz* * Centro Universidade de Fé e Cultura |