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30-11-2005

Não, não sou o único a olhar o céu?


Editorial

"Otário - indivíduo que defende com ardor, mas sem argumentos, a construção do Aeroporto da Ota."

Esta palavra vai certamente alterar o seu actual e real significado e ganhar o descrito acima com o evoluir dos argumentos sobre a construção do novo aeroporto que o governo planeia construir na OTA. Não foi obviamente uma ideia original, mas - começou a fazer sentido, desde que a li num dos muitos e-mail que diariamente recebo.

Infelizmente, Portugal revela-se cada vez mais pobre em cada etapa do seu desenvolvimento. Este projecto, da OTA parece ser mais um projecto do actual Governo da III Republica do que um projecto verdadeiramente nacional.

Este propósito de construção parece ser mais um acto de fé do primeiro-ministro do que uma necessidade, inequivocamente, apoiada em estudos técnicos e sentida como prioridade pelo conjunto da nação.

Naturalmente que percebo muito pouco de aeroportos, aliás como a vastíssima maioria dos portugueses, incluindo o Eng Sócrates, mesmo que sobre o assunto consiga falar, durante meia hora seguida e não convença ninguém. Claro, que tem muitas palmas, mas apenas porque fala para audiências, previamente escolhidas e organizadas.

O que me pareceria de razoável bom senso, era vermos uma série de técnicos de várias áreas e disciplinas, diversos agentes económicos, a debaterem publicamente este desígnio que nos vai empenhar para umas décadas. Claro que estes impulsos de gasto público, às vezes têm as suas contrapartidas positivas, como aconteceu com os descobrimentos portugueses. Mas, infelizmente, os últimos exemplos de mega projectos têm-se traduzido em elefantes de várias cores e de muito alimento e consumo para o depauperado erário público.

Vejam-se os estádios de futebol às moscas (consequência da última orgia socialista) ou o Centro Cultural de Belém, que para além de estragar o enquadramento do Mosteiro dos Jerónimos deve dar um prejuízo anual extraordinário (consequência dos restos do cavaquismo). Vejam a EXPO, onde nunca alguém conseguiu contabilizar os seus rombos embora, do mal, o menos, tenha requalificado uma zona degradada de Lisboa.

Depois, muitas destas grandiosas obras ficam como as capelas imperfeitas da Batalha ou arrastam-se no tempo como a Igreja de Santa Engrácia. Vejam o exemplo da barragem do Alqueva, um projecto que vem dos confins do tempo, onde se esqueceram de construir os canais de irrigação, fundamentais para o sucesso do empreendimento. Ganhámos o maior lago da Europa e agora vendemos água aos espanhóis em cisternas, enquanto os campos alentejanos continuam sem rega e os algarvios penam no verão sem água.

Mas não é por isso que sou mais um velho do Restelo do género tão bem descrito e cantado por Camões. Acho e percebo que o progresso também aparece com obras grandes e estruturantes como eventualmente esta será, mas devemos debatê-la com verdade e rigor, até porque, ao contrário do século XV, os iluminados têm tendência a estar cada vez mais afastados dos lugares de decisão governativa por troca de meros gestores de interesses de todo o tipo. E até parece que esses interesses já começam a emergir com o empresário Stanley-Ho a liderar o pelotão.

Esperemos, portanto, que este anúncio tenha sido uma espécie de falsa partida e que agora possamos ver debater na praça pública o projecto e as suas verdadeiras alternativas.

António Granjeia*
*Administrador do Jornal da Bairrada


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