233 arguidos - maioritariamente comerciantes, produtores de vinhos de mesa ou espirituosos e vários gestores de empresas de transporte e técnicos do ramo vinícola, de várias partes do país, incluindo da Bairrada - estão acusados de envolvimento numa rede de contrabando de álcool e bebidas alcoólicas. Cinco dos arguidos são acusados de homicídio qualificado, com dolo eventual, pela morte de cinco cidadãos noruegueses que consumiram álcool contaminado com metanol. A rede burlou o Estado português em mais de 243 milhões de euros. Estrutura criminosa As 58 mil páginas que compõem o mega processo, dividas por 126 volumes, já estão em Anadia. No entanto, o juiz titular do processo decidiu que o tribunal de Anadia é incompetente para o julgar, devendo este ser remetido para a Comarca da Moita, onde os crimes mais graves foram cometidos. Resta saber se o magistrado do Tribunal da Moita aceita a decisão do seu homólogo de Anadia. Caso contrário, terá que ser o Tribunal da Relação a decidir a competência territorial. Segundo a acusação, os arguidos criaram estruturas dotadas dos necessários meios humanos e empresariais que lhes permitia enriquecer à custa do património, sob a capa de uma actividade económica, aparentemente, legítima. Os arguidos desenvolveram uma estrutura criminosa, visando a infracção de normais fiscais aduaneiras que, durante vários anos, procederam à importação e circulação de álcool, supostamente, entre entrepostos fiscais, com vista à obtenção do regime benéfico da suspensão de impostos, concretamente do Imposto Especial Sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), bem como à consequente circulação daquele produto em território nacional”. Álcool contaminado matou cinco noruegueses Entretanto, várias remessas de álcool contaminadas com Metanol - para um maior ganho - terão sido exportadas de Portugal para a Bélgica e para a Alemanha e depois para um norueguês que as distribuiu no seu país e que levaria à morte de cinco cidadãos noruegueses. “A ingestão da mistura de metanol foi a causa directa e necessária da morte destes cidadãos, de acordo com os respectivos relatórios de autópsia”. As mortes ocorreram de entre 21 de Outubro de 2002 e 16 de Março de 2003. Algumas das remessas de álcool terão sido exportadas em caixas de cartão canelado, que terão sido devolvidas a uma fábrica de cartonagem por desrespeito das tonalidades das cores impressas, com os dizeres: “Azeite Virgem Extra Especial”. Este álcool, que fazia parte das remessas expedidas, pelo menos, a partir do início de Agosto de 2002, dissimulado nas caixas de cartão, descarregado na Bélgica no dia 6 de Agosto de 2002, encontrava-se contaminado com metanol, numa mistura de 22% de Metanol com 69% de Etanol. Ainda segundo o Ministério Público, os arguidos, ligados à introdução de Metanol no álcool, conheciam as características do produto e sabiam que podia causar danos na integridade física e mesmo a morte a quem ingerisse. “Não obstante terem previsto a possibilidade das pessoas consumidoras sofrerem lesões no seu corpo e saúde e morrerem como consequência da ingestão desse produto, os arguidos não se coibiram de prosseguir com a sua conduta, convencidos de que, ao remeterem o álcool para o estrangeiro, através de uma cadeia de intermediários até chegar ao consumidor final, e face aos cuidados que punham na sua actuação para não serem relacionados com aquelas expedições, não seriam relacionados por tais consequências”, lê-se na acusação. Crimes Os arguidos cometeram os crimes de associação criminosa, fraude fiscal, introdução fraudulenta no consumo, falsificação de documento autêntico e particular, branqueamento, fraude no transporte de mercadorias em regime suspensivo, uso de carimbo contrafeito, contrabando de circulação, contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares. Assim, “através da prática de tais crimes, os arguidos obtiveram para si um enriquecimento injustificado no valor não inferior 243 milhões de euros”. Oito dos arguidos estão detidos à ordem do processo, sete em prisão preventiva e um em domiciliária com pulseira electrónica e ainda mais dez estão presos à ordem de outros processos. O grupo terá ainda forjado e utilizado documentos e selos emitidos por autoridades públicas, “tendo fabricado e utilizado carimbos que punham em causa a fé pública, a confiança e a credibilidade”. A investigação envolveu a Procuradoria-geral da República e peritos das Alfândegas e da Guarda-fiscal e culminou com a apreensão de vários camiões em trânsito e a detenção dos condutores. Só no dia 10 de Agosto de 2003 foram apreendidas pelas autoridades alemãs, 78.895 litros de álcool. Números 233 - Arguidos, após a abertura da instrução, estão acusados pelo Ministério Público da prática de milhares de crimes. 58000 - Mil páginas compõem o processo que tem ainda 126 volumes. 2932 - Artigos contêm factos que têm que ser provados. 280 - Testemunhas de acusação estão arroladas neste mega processo. As de defesa poderão ultrapassar as quinhentas. 20 - Viaturas foram apreendidas, entre as quais várias carros de alta gama, das marcas, BMW, Audi, Mercedes e Volkswagen Metanol - É um produto liquido incolor altamente inflamável e tóxico, de aspecto igual ao álcool etílico puto mas de qualidade inferior, vulgarmente designado por “Álcool Qi ou Álcool Metílico”, obtido através de um processo de destilação dos mais diversos resíduos sólidos e líquidos, como vernizes, tintas, colas e produtos farmacêuticos e utilizável apenas para fins industriais ou terapêuticos. Aliás, o Metanol é um produto altamente perigoso para a saúde humana que, quando ingerido é uma ameaça para a vida com acção específica sobre o nervo óptico, podendo causar a cegueira por degradação das células.
Pedro Fontes da Costa pedro@jb.pt |