Num encontro que muito me marcou e em que participei, em Berlim, no fim da década de setenta, ouvi os delegados alemães dizer que, no seu país, a maior pobreza residia nos casais jovens que não queriam filhos, porque estes lhes estragavam a vida cómoda e os projectos de férias nas zonas mais apetecíveis do mundo. Nessa altura o índice demográfico na Alemanha era já baixíssimo e crescia a xenofobia em relação aos emigrantes turcos, indispensáveis no país por garantirem trabalhos que os naturais já não faziam. A média de filhos por casal turco era então de seis ou sete filhos. Uma ameaça nacional. O jornal Público de 16 de Setembro, trazia, a propósito da Alemanha, um artigo de arrepiar. Escrito por uma jornalista estrangeira, era titulado “No país dos sem-crianças”. Aquilo que, há vinte anos, parecia um desabafo de jovens aos quais os filhos podiam incomodar e por isso não os queriam, deu lugar, com os mesmo argumentos de então, agora acrescentados por outros de pior sentido, a associações de militantes que lutam para acabar de vez com as crianças no país. A tal ponto vai este ódio aos bébés que os casais que os têm e remam contra esta maré destruidora, procuram lugares para viver, longe de Berlim, onde esperam maior segurança e paz. “Recusar crianças, diz a jornalista, é recusar a vida”. O egoísmo é sempre suicida. Por este caminho, dizem sociólogos preocupados, que a Alemanha está à beira de se tornar um país sem crianças. Em 2002, 3 % dos homens alemães, em idade de procriar, foram voluntariamente esterilizados. O nazismo fez perder a identidade e as catástrofes incontroláveis levaram à conclusão de que gerar crianças é uma irresponsabilidade. Os poderes políticos estão altamente preocupados e tentam contrariar o processo, mas os resultados parecem ser nulos. Entre nós, fecham-se escolas, porque não nascem crianças, nem esperança de que venham a nascer. Continuam a construir-se moradias sociais que só desaconselham ter filhos. As creches para bebés são poucas, por vezes bem caras, e as listas de espera para encontrar um lugar são também elas de desespero. O índice demográfico não mostra qualquer sentido de mudar para melhor e o horizonte está carregado de negro. E o que vemos? O partido do governo, preocupado cada vez mais em que seja votada, quanto antes, a despenalização do aborto que, embora com restrições, não é senão a porta aberta à sua liberalização. Assim o anunciaram já outros partidos que fazem coro a favor do mesmo projecto. E mais do que fomentar e proteger a natalidade, com medidas positivas e urgentes, o Ministro da Saúde, segundo notícia de fim de semana (Público 24.9) quer que “ a partir de Janeiro do próximo ano, todos os centros de saúde e hospitais estejam abastecidos com quantidades suficientes de anticoncepcionais (pílula, preservativo e dispositivo intra uterino) para serem dispensados a quem recorre às consultas de planeamento familiar” O “planeamento familiar” de há muito goza de especial acolhimento e apoio dos nossos governantes de ontem e de hoje.. Já tenho indagado sobre o que se faz nos referidos lugares para estimular a natalidade, dado que a nossa situação é demograficamente preocupante, como está à vista. Nada, porque não é isso que as pessoas procuram, dizem-me. Andamos todos distraídos ou o que mais interessa a este país é mesmo que se extinga a conta gotas? Há quem queira que seja por garrote, mais fácil e mais rápido. A Alemanha entrou num declive que parece imparável. De nós, o que se poderá esperar? Que, sem os exageros ideológicos da Alemanha, venhamos também a ser um dia, não muito longínquo por este caminho, “um país sem crianças”? Acordem os avós, já que aos filhos não falta quem se encarregue de os anestesiar.
António Marcelino* *Bispo de Aveiro |