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23-08-2005

Dor de Cabeça


Crónica da América

Dêem-lhe as voltas que derem, mas a maior dor de cabeça que actualmente afecta os nossos líderes americanos em Washington, é a guerra do Iraque. Não é o preço da gasolina nem o futuro do Social Security, mas a guerra. Uma guerra de causas “inventadas”, segundo dizem os democratas, pela imaginação do nosso Presidente e as gentes que o rodeiam. O pretexto da guerra assentava em bases falsas, dizem. Depois, foi-se para a guerra, sob a concepção pouco idónea de que o Iraque, um dos mais antigos países civilizados do mundo, com longas tradições culturais, étnicas e religiosas, ia aceitar, de braços abertos e com flores, os nossos guerreiros e apóstolos da democracia americana.

Dá vontade de perguntar: que raio de ignorância toldou a visão dos nossos estrategas militares, políticos e evangélicos, que os levou a acreditar que a guerra seria um passeio pelas terras bíblicas, disputadas por três grupos étnico-religiosos, que o ditador Sadam Hussein mantinha em ordem, à custa de rasias e massacres ocasionais, único meio de eliminar os seus inimigos. Não obstante, Sadam havia sido nosso amigo e colaborador na guerra contra o Irão, e só perdeu a graça quando resolveu invadir o Koweit. Nessa altura o sr. Bush-pai, entendeu que o ditador iraquiano estava saindo fora do cabresto.

E, agora, não há uma solução à vista, senão aquela que, mais tarde ou mais cedo, teremos de tomar, antes que a desgraça do Vietname se repita. É certeza certa que as armas mais sofisticadas são incapazes de bater as bombas humanas. Numa guerra urbana, as bombas atómicas, e até as “inteligentes,” são inúteis, ante a fúria suicida de meia dúzia de guerrilheiros, que, depois da nossa investida contra o Iraque, se têm multiplicado, como os pães e os peixes de bíblica tradição. Até invadirmos o Iraque, o único terrorista que havia lá era o Sadam Hussein. Hoje, há centenas, ou milhares, vindos de todo o mundo islâmico, prontos a sacrificar a vida em holocausto ao Deus do Islão. O presidente, como lhe compete, tudo está fazendo para que um regime democrático seja implantado em Bagdade. A intenção é boa, mas como costuma dizer-se, de boas intenções está o inferno cheio. Onde estavam os “inteligentes” do governo, que não previram o que poderia acontecer? Deitar abaixo Sadam, em vez de Bin Laden, foi pior emenda que o soneto. No entanto, aqueles que se opunham à invasão, incluindo os nossos aliados, estão cônscios do que iria acontecer. E os seus cálculos, infelizmente, não saíram furados.

Estamos queimando biliões de dollars e a vida dos nossos soldados e suas famílias numa empresa que está desgraçando o próprio povo iraquiano, onde reinam o caos, a desordem e a violência. Diz o nosso chefe que é preferível bater os terroristas fora das fronteiras do que batê-los cá dentro. Mas esse não foi o objectivo desta aventura. Tal asserção é uma escusa que não convence os que duvidaram do êxito desta hecatombe. A guerra, em vez de criar democracia em terras onde ela nunca existiu, está criando centenas ou milhares de terroristas, vindos de todo o mundo árabe e muçulmano. E a guerra transformou-se num conflito religioso, sem solução à vista.

Numa carta ao “New York Times”, George Hunsinger, professor de teologia do Seminário Teológico de Princeton e coordenador de Church Folks for a Better América, diz:

“Primeiro, temos de encarar a realidade. Não há boas opções. A ocupação liderada pela America, é a principal causa da revolta e não a cura. Porém, uma retirada abrupta, poderia levar a um caos ainda maior. A última esperança reside na internacionalização das forças de apaziguamento, até o Iraque tomar conta de si próprio. Aqueles que consideram este caminho como “irrealístico” precisam de explicar como vamos sair do pior desastre da política americana desde o Vietname.”

Como vêem, não há muitas razões para optimismo. Entretanto, o movimento em favor da retirada das forças do Iraque, está ganhando forma. Representantes democratas e republicanos, estão começando a esboçar a opinião de que não resta outra alternativa. A luta de uma mulher da Califórnia, em vigília de protesto em frente do rancho do Presidente no Texas, está ganhando cobertura nacional e aderentes, e provocando centenas de vigílias com velas através da América.

Manuel Calado*
Jornalista nos EUA


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