A vaga de calor, registada na primeira semana de Agosto, com mais intensidade nos dias 2, 3,4,5, causou avultados prejuízos nalgumas vinhas da região da Bairrada. De resto, no concelho anadiense, tem havido um corrupio de pequenos produtores e agricultores para a Estação Vitivinícola da Bairrada e Adega Cooperativa de Vilarinho do Bairro, na tentativa de saber se o Seguro de Colheita cobrirá as perdas que, segundo alguns proprietários, poderá atingir entre os 20 e os 30% da produção. Vinhas gravemente afectadas Em ano de seca extrema, os solos há muito que se começaram a ressentir da falta de água e humidade. Na Bairrada, a produção vitivinícola poderá estar algo comprometida, uma vez que, associado ao tempo seco e à falta de água nos solos, a vaga de calor, registada na primeira semana de Agosto, veio agravar a situação em muitas vinhas. Um dos queixosos é Artur Seabra, que tem uma vinha na zona da Poutena que foi gravemente afectada pelo “escaldão”. A JB avançou nunca ter visto nada semelhante e só espera que o poder central tenha em atenção a situação precária em que ficam os pequenos produtores, a braços com uma campanha parcialmente perdida. Na sua vinha, que tem a orientação solar recomendada - norte-sul - os cachos foram literalmente “cozidos” pelo sol e a perda é avultada, tal como aconteceu com vários outros produtores da região. “Nós aqui temos uma espécie de microclima que já por diversas vezes, em várias campanhas anteriores, nos causou enormes prejuízos”, situação que considera difícil de suportar a muitas famílias que dependem da terra para sobreviver, acrescentando ainda que “se a seca já fez os seus estragos, agora este “escaldão” veio acabar com o resto”. Fenómeno acabou por fazer uma monda A JB o produtor-engarrafador Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, admitiu também que “embora seja verdade que o “escaldão” afectou algumas videiras”, também não é menos verdade que “em ano de produção excessiva e com cepas com muitos cachos, este fenómeno acabou por funcionar como uma monda”. Habituado a fazer uma ou duas mondas por campanha, Mário Sérgio Nuno reconhece que é demasiado prematuro fazer análises relativas à produção, pois que serão apenas “puras especulações sobre o que irá acontecer daqui até à vindima”. Uma coisa é certa, referiu a JB: “há uvas a mais nas cepas, água a menos nos solos, o que se poderá traduzir num ano vitícola fraco, se não se levar a cabo algumas medidas necessárias, como é o caso da monda”. Para Mário Sérgio Nuno, embora o fenómeno tenha causado prejuízos, a verdade é que existe um excedente muito grande de produção, logo o que se perde poderá equivaler a esse excedente que estava a mais nas videiras. Segundo o produtor em matéria de clima, “o ideal seria alguma chuva intensa durante um curto espaço de tempo para regar bem os solos e permitir que a água penetrasse os solos argilo-calcários e o regresso do tempo quente e seco até à vindima”. Sem alarmismos Já Carlos Campolargo, um dos maiores produtores de toda a região da Bairrada, avançou ao nosso jornal que “embora o “escaldão” tenha provocado alguns estragos, pois foram vários dias de muito calor, que danificou cachos e folhagem, a situação não é dramática, nem grave.” Sem alarmismos, reconhece também que o ideal seria “uma chuvada intensa que regasse, efectivamente, as vinhas que começam a entrar em stress hídrico e, depois dessa rega generosa, o regresso do bom tempo” para que a maturação decorresse normalmente. Para Campolargo esta vaga de calor acabou também por funcionar como uma espécie de monda que a maioria dos produtores continua a teimar em não fazer. Qualidade da matéria-prima poderá estar comprometida Na Adega Cooperativa de Vilarinho do Bairro os últimos dias não têm sido fáceis. “Um corrupio”, avançou a JB Manuel Seabra, presidente da direcção da Adega, atento aos inúmeros agricultores e produtores, que vão chegando e colocando várias questões sobre o estado das vinhas. “Foi um corrupio, toda a semana, com os produtores a valerem-se de todo o tipo de meios (tractores, cisternas) para regar as videiras”, explicou aquele responsável, questionando-se sobre a qualidade da matéria-prima que vai chegar à Cooperativa na vindima, uma vez que uma má maturação das uvas se irá traduzir em dificuldades na sua transformação, logo em vinho de menor qualidade. Assim, faz um apelo aos produtores, associados da Adega, para que, em consciência, apenas vindimem cachos sãos e só tragam para a Adega o que estiver em bom estado para fazer vinho de qualidade, aconselhando ainda os associados para aproveitarem o “escaldão” e fazerem uma monda aos cachos. “Uma filosofia e prática de difícil introdução na região”, referiu, onde as tradições e hábitos ancestrais estão profundamente enraizados: “as pessoas não se apercebem que um grande número de cachos por cepa é prejudicial, tanto mais que estamos em ano de seca. Quantos menos cachos a videira tiver melhor”, acrescentou. Claro que esta filosofia apenas é bem acolhida no seio dos produtores-engarrafadores que conseguem colocar os seus vinhos no mercado a preços mais atractivos. Para os pequenos agricultores e produtores que vendem as uvas às Adegas Cooperativas e às Caves da região, esta filosofia ainda é de difícil aceitação, pois existe a ideia de “quantos mais quilos de uvas apanharem mais dinheiro recebem”, sem olhar que, em primeiro lugar, deveria estar a qualidade da matéria prima, a qualidade das uvas que vai dar origem aos vinhos Bairrada e que irão, no mercado, defender e valorizar um produto de prestígio da região. CAIXA Fenadegas atenta à situação A JB Manuel Seabra, avançou ainda que a Fenadegas - Federação Nacional de Adegas - está atenta a esta situação e já enviou à Cooperativa de Vilarinho do Bairro e às restantes suas associadas, durante este mês de Agosto, uma carta e um inquérito relativo à Seca de 2005. A Federação Nacional de Adegas Cooperativas questiona as suas associadas sobre a existência ou não de videiras secas, se existiram incêndios e se houve vinhas afectadas na região, prejuízos previstos para a campanha e valores esperados em relação à campanha anterior, que tipo de medidas são necessárias implementar e se pensam que se deverá reivindicar algum tipo de apoio financeiro. Manuel Seabra acredita que não haverá muito a fazer, até porque existem outras regiões do país onde a situação da seca tem causado prejuízos mais elevados, reconhecendo que seria necessário que o Governo decretasse estado de calamidade pública para que os Seguros pudessem ser accionados. Stress hídrico violento e “escaldão” A JB Adriano Aires, director da Estação Vitivinícola da Bairrada, avançou que “neste momento, registamos duas situações distintas - de stress hídrico violento que resulta da seca e falta de humidade nos solos e pelo excesso de calor”. Uma situação que se traduz em cachos mais pequenos, que não amadureceram e que já não vão amadurecer. Noutros casos, e não são tão poucos como isso, já se notam algumas videiras desidratadas, a acusar sinais de morte, embora se trate de uma planta bastante resistente. O “escaldão”, propriamente dito, face às elevadas temperaturas, superiores nalguns locais aos 45 graus, acabou por escaldar alguns cachos localizados a norte e a nascente, precisamente do lado de onde é recomendada tirar a folhagem para que o fruto amadureça, e que, em situação normal nunca se queimaria. Reconhecendo tratar-se de um ano “anormal”, admite que o escaldão é grave porque, a manter-se, poderá provocar focos de doenças oportunistas que se vão instalar, tipo podridão. Mas, mais grave ainda, considera as situações de stress hídrico que estão a afectar inúmeras áreas da região, contudo Adriano Aires acredita que “nalguns sítios da Bairrada, teremos um grande ano vínico e de elevada qualidade”, na medida em que se trata de locais onde não se regista stress hídrico. O que agora aconteceu pode potenciar a qualidade Embora a situação não seja a melhor, Adriano Aires diz não se tratar (ainda) de uma situação grave ou desesperante, até porque, da áreas visitadas “existem apenas situações pontuais de sede”, situação esta agravada pelo excesso de produção. “É um ano de produção elevadíssima que as pessoas não têm coragem de deitar abaixo - fazer a monda”, justificou. Embora não seja uma situação de crise, este responsável recorda as situações, essas muito graves, registadas em anos como 1988 (míldio), 1993 (míldio tardio/podridão), 1998 (desavinho, trovoada e granizo) e 2002 (podridão e excesso de chuva) que causaram grandes perdas na região. “O que agora aconteceu pode potenciar a qualidade”, avançou, até porque “a crise não está instalada”. Este responsável conclui ainda que “os agricultores tecnicamente informados e que investem nas suas massas vínicas, terão uma boa colheita. Os restantes - pequenos agricultores e produtores - que produzem, sem ter em conta o factor qualidade, esses, sim, vão sentir mais as consequências do clima”. E, porque “a qualidade tem que se pagar”, acrescenta ainda que “quem investiu na qualidade, terá uma produção boa, mesmo acima da média. Os restantes, que infelizmente são a grande maioria não, terão massas vínicas de fraca qualidade porque têm excesso de uvas nas cepas”. Todavia, deixa o alerta: “estamos apenas a 12 de Agosto. Daqui até à vindima a situação poderá alterar-se drasticamente e acontecer o que ninguém hoje pensaria ser possível”. Catarina Cerca |