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02-08-2005

Os fogos que nos consomem


Editorial

Tenho tido alguma relutância em escrever sobre este tema. Confesso que, como não percebo nada de combates a incêndios, de bombeiros e assuntos afins, tenho, por essa razão, evitado opinar sobre tais temas.

Contudo, a reportagem da SIC, no último domingo, sobre a forma como são contratados os meios aéreos para combate aos fogos florestais pelos sucessivos governos incomodou-me, e de certeza, feriu igualmente a inteligência de todos quantos assistiram a esse noticiário.

Procurei informar-me sobre este tema, mas os dados disponíveis e fiáveis só estão actualizados até 2003. Segundo um estudo que li na Internet “Fogos na Floresta no Sul da Europa - Da Prevenção à Restauração” houve entre 1980 e 2003, 398.682 incêndios em Portugal (38,1 por cento do total), 359.157 em Espanha (34), 261.290 em Itália (17,7%), 118.690 em França (7,5%) e 37.822 na Grécia (2,7%). Ainda segundo o mesmo estudo, a superfície ardida foi de 4.572.462 hectares em Espanha, 2.897.396 em Itália, 2.584.895 em Portugal, 1.138.031 na Grécia e 757.358 em França. Naturalmente que o problema em Portugal é muito mais preocupante, devido à dimensão em área relativa (5 vezes menor) entre o nosso país e os outros países mediterrânicos do Sul da Europa.

Em 2005, Portugal é já o país com maior número de incêndios florestais segundo o 5º relatório semanal provisório da DGRF (http://www.dgrf.min-agricultura.pt/v4/dgf/pub.php?ndx=1537 ) e donde se infere que número dos fogos duplicaram em relação à médio dos últimos cinco anos.

Depois de olharmos para a frieza dos números, perguntamo-nos porque continua este flagelo a acontecer?

Já se fizeram livros brancos, após o terrível ano de 2003 (Outubro de 2003 - http://www.mai.gov.pt/data/001/005/pdf/livro_branco.pdf ), já mudaram dezenas de chefias, todos os anos contratam e alugam mais meios aéreos e terrestres, mais estudos e continuamos a arder.

Alguém de boa fé percebe isto?

Voltando à reportagem da SIC, é quase cristalino, pelo que lá se mostrou e disse, que existe um negócio de milhões à volta deste assunto.

Não se entende que, por exemplo, no tal livro branco de 2003 se diga “Uma catástrofe semelhante, ainda que se repita de futuro a excepcionalmente forte e longa vaga de calor que atingiu Portugal e grande parte da Europa, não pode repetir-se nunca mais.” (pág. 4)

Só demorou dois verões como o leitor facilmente pode constatar.

E isto é independente da côr mais alaranjada ou rosada dos governos.

Outra coisa que não se compreende é a nomeação de uma comissão para avaliar novamente as vantagens de existirem meios próprios para o combate aos incêndios. Em 2003, o tal livro branco dizia na página 95 “iv) Estudo sobre as vantagens da contratação a privados versus a existência de meios aéreos na FAP, por protocolo com o SNBPC”. Vão fazer outro estudo? Que diabo, isto parece uma republica das bananas! Deve ser porque somos ricos, podemos pagar muitos aviões a privados a elevado preço e custear demasiadas comissões de avaliação. Um exemplo: A Força Aérea Portuguesa tem desde 1996 um kit de combate a incêndios (MUFS - permite lançar 10 toneladas de calda retardante) que penso ter custado uns milhares de contos e jaz agora encostado num hangar, sem ser utilizado, mesmo depois de a FAP ter preparado e treinado tripulações para o efeito.

No fim disto, a pergunta que fica é simples; Qual a razão para que o fogo, um drama que afecta milhares de portugueses, todos os anos, seja também um negócio de milhões?

António Granjeia*
*Administrador do Jornal da Bairrada


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