Faleceu, este início de semana, Álvaro Cunhal. É comum, na morte dos homens públicos, de elogios, lembrar a sua obra, mostrar as suas virtudes e por ventura esquecer as suas fraquezas. Eu também acho, usando os valores humanistas e cristãos que a tradicional e mais autêntica educação portuguesa nos ensina, é assim que devemos tratar, no plano pessoal, o Homem que agora se finou. Mas devemos separar a sua vida pessoal, dos seus ideais, dos objectivos e da luta política que travou. Respeito profundamente Cunhal pelo seu exemplo de vida, pela constância e certeza que demonstrou nos ideais em que sempre acreditou, pela coragem e determinação na luta contra a adversidade, pelo exemplo de sobriedade no serviço a uma causa, que, hoje em dia, cada vez vai faltando aos homens que escolheram a política como área de afirmação pessoal. Politicamente, Álvaro Cunhal faleceu tão orgulhosamente só, como o regime autoritário contra quem tanto lutou. Politicamente, Álvaro Cunhal tentou levar Portugal para a esfera do então mundo comunista e soviético. Essa sua luta custou-nos somar mais anos ao atraso à média europeia que já levávamos do regime anterior. Andámos ao contrário do que era normal, com as nacionalizações, com a destruição do aparelho produtivo nacional, etc.. Politicamente, Álvaro Cunhal persistiu em afastarmo-nos do ocidente e construir um modelo de sociedade, cujos sinais de decadência já eram evidentes. Vieram a confirmar-se, 10 anos depois, com a queda do império soviético e o colapso, por exaustão, de todo os sistemas comunistas em que Cunhal acreditava. Mesmo assim, e perante o fracasso prático do sistema, Cunhal resistiu e, por isso, isolou-se. Até á sua morte. Sabemos hoje do fracasso comunista e agradecemos a todos quantos politicamente lutaram e venceram o tenaz empenhamento de Cunhal no pós 25 de Abril. A liberdade não tem preço e nunca nos poderemos esquecer que era uma ditadura que Cunhal nos queria impor. Mas devemos, por elementar justiça, lembrar, na sua morte, as suas qualidades humanas e a sua vontade de mudar o mundo em que viveu, mesmo que não fosse aquele em que hoje preferimos viver.
António Granjeia* *Administrador do Jornal da Bairrada |