E assim chegámos ao findar de mais um ano. Há quem costume dar balanço à jornada e planear o futuro. Fazer resoluções. Promessas de deixar de fumar, de beber, ou de assaltar o frigorifico durante a noite. Que a obesidade e o comer de mais são problemas graves da nossa sociedade consumista. E eu estou convencido que o mau da fita não são só as calorias. Na minha ignorância de escriba amador, julgo eu que um gene malfeitor é capaz de estar envolvido nesta saga da obesidade. Talvez um gene danificado, quando os testes atómicos à flor da terra lançavam milhares de toneladas de escórias na atmosfera. É apenas a teoria pessoal de alguém que viveu a época desses testes, nas décadas de 50 e 60, em que a radioactividade se fazia sentir pouco depois, no leite de vacas consumido pelos bebés, em vez do leite das mães. Como disse, é apenas uma teoria pessoal. Este ano, a terminar, teve coisas boas e coisas más e trágicas. Trágicas, especialmente para aqueles milhares de famílias que ficaram sem pai, marido, filho, irmão ou namorado, tragados pela onda muçulmana, suicida e fanática, que varre as areias do Oriente Médio. E não só os mortos, mas os incapacitados, física e mentalmente para o resto da vida. O nosso Estado de Massachusetts foi bafejado pela sorte no desporto, e por uma controvérsia assanhada, no campo dos chamados valores familiares .O Patriots e o Red Sox ganharam os respectivos campeonatos, que os sagraram como os melhores do mundo e arredores. E o tribunal Supremo do estado onde começou” a grande aventura americana, escandalizou o país ao aprovar o casamento de gays. Foi uma autêntica bomba que agitou e enfureceu os seguidores do Velho Testamento. A propósito do Velho Testamento, ando a seguir um curso “falado à distância”, dado pelo professor F.E.Peters, da New York University sobre a origem das três religiões, que nasceram da mesma árvore: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.Todas filhas do mesmo tronco, o Velho Testamento dos Israelitas, donde brotaram os ramos Cristão e Muçulmano. E espanto-me ao ver estas três famílias tocadas pela fé no mesmo Deus, tão odiosas, raivosas e desavindas. Porquê? pergunto eu. Porque motivo a religião é susceptível de criar tanto ódio e fanatismo a ponto de levar à destruição, ao suicídio e aos mais horrorosos crimes em nome de Deus? A propósito, na véspera de Natal, fui à missa do Padre Castelo, na bonita e aconchegada igrejinha de madeira, em Falmouth, construída com o suor dos primeiros imigrantes açorianos que se estabeleceram no Cape Cod. E as considerações do dia caíram sobre a paz. Falou-se do “Príncipe da paz”. Do “Cordeiro da Paz”. Na paz e concórdia, no amor, nos homens de “boa vontade”. E depois o leitor bíblico pediu a Deus que protegesse os nossos soldados no Iraque. Os nossos soldados. Não pediu pelos milhares de famílias, fugidas das suas casas, na cidade de Faluja, devido à luta fratricida entre soldados cristãos e fanáticos muçulmanos. Dirão que cada um pede pelos seus. Está certo. Mas o Deus dos Cristãos, dos Judeus e dos Muçulmanos, é o mesmo e só um. É o mesmo pai. E “criador de tudo quanto existe”. A luta feroz que se trava no Iraque, é uma luta entre irmãos de fé. Falando com Deus, como eu costumo fazer, exprimi-lhe o meu desapontamento, e perguntei se Ele, o criador do universo, o “Príncipe da Paz”, não tem poder para evitar aquela desgraça do Iraque. Ou Ele não ouve, ou não faz caso das preces dos seus filhos? Terão as orações algum efeito sobre a sua vontade? E, ao sair da igreja, onde tanto se falou de paz e de amor, ouço a notícia de uma tremenda desgraça natural. Um maremoto, causado por um terramoto de grandes proporções, no Sueste Asiático, havia provocado tremendas destruições e milhares de mortos. E no geral em tais desgraças, são sempre os mais pobres, os mais vulneráveis, os mais atingidos. Porquê ? Será isto um acto de rebeldia e de desrespeito fazer perguntas a quem me criou ? Mesmo tendo a certeza de que Ele tem coisas mais importantes a fazer, do que responder a um pobre e curioso escriba das dúzias ? Mesmo assim, e tendo a certeza de que Deus não tirará um segundo da sua vida para me dar uma resposta, não deixarei de ir à missa do simpático Padre Castelo, sempre que esteja no Cape Cod. E, aqui para nós, acho até as histórias humorosas do padre Castelo mais interessantes e humanas do que as histórias do Velho Testamento, onde há lutas de “olho por olho e dente por dente”,e infernos fumegantes, que deixam as pessoas a tremer de medo. O “Testamento Novíssimo” do padre Castelo é humano, brejeiro, terra-a-terra, tira partido das fragilidades das criaturas e deixa as pessoas sorrindo das suas mazelas, e com melhor apetite para o jantar de Domingo. Estou certo que, se Deus colocasse o governo do mundo nas mãos do padresinho de Falmouth, por uma semana, ele era capaz de curar todas feridas do mundo, dar pão a todas as bocas famintas, fazer a paz entre judeus, cristãos e muçulmanos e inventar até um remédiozinho para deixar de fumar, e transformar todas as mulheres obesas em elegantes modelos. E este seria o grande milagre do século. Infelizmente, não será em 2004. Em 2005 ? Vamos a ver, como dizem os cegos. Até lá,” haja saúde e coza o forno ”,como se diz na minha terra. E a todos os irmãos imigrantes, desejos de um ano novo cheio de paz e concórdia entre os homens e as nações. E, se o desejo vale alguma coisa, ele aqui fica, leitores e amigos, e para todo o Mundo.
Manuel Calado* *Jornalista nos EUA |