O Secretário geral da Sociedade Portuguesa de Neurorradiologia considera Egas Moniz um visionário pela primeira angiografia cerebral feita há 90 anos. Pedro Melo Freitas escreve um texto sobre o prémio Nobel. Na semana em que apresentou o congresso de neurorradiologia e a Semana do Cérebro, fez o elogio num texto que a Terra Nova publica na íntegra.
«Quando em junho de 1927, consegui ver pela primeira vez as artérias do cérebro, através dos ossos do crânio, tive um dos maiores deslumbramentos da minha vida». Estas são as palavras de Egas Moniz que, com emoção recordou, nas suas Confidências de um Investigador Científico, o momento em que realizou a primeira angiografia cerebral.
É unânime que Egas Moniz marcou a história da Medicina Portuguesa, tendo sido o primeiro (e até agora o único) a trazer o Nobel da Medicina para o nosso país, em 1949, graças ao desenvolvimento da leucotomia pré-frontal, procedimento cirúrgico que foi posteriormente abandonado. Talvez menos reconhecido pela comunidade em geral, mas mais unânime e atual entre a comunidade científica é o reconhecimento do seu contributo para a Medicina universal com o desenvolvimento e a realização da primeira angiografia cerebral.
Durante largos anos, Egas Moniz fez inúmeras experiências na tentativa de encontrar uma substância que pudesse ser injetada nas artérias do cérebro de forma a tornar visíveis os vasos cerebrais nas radiografias. A opacidade conseguida com a injeção desses produtos permitiria obter um contraste, detetar tumores cerebrais e assim facilitar o seu tratamento.
Foi em junho de 1927 que Egas Moniz obteve a primeira arteriografia do corpo humano vivo, tornando-se assim o primeiro a conseguir ver os vasos sanguíneos do cérebro no vivo. Nesse mesmo ano, a angiografia cerebral revolucionou a Medicina; hoje, passado quase um século, esta técnica continua a ser amplamente utilizada em todo o mundo.
Tal feito pode não lhe ter valido o prémio da Academia Sueca, mas mereceu uma distinção vinda da Noruega, com a atribuição do Prémio Oslo, em 1945, anos antes do leucotomia e do Nobel. Foi o justo reconhecimento da comunidade científica e um marco importante no percurso daquele que é considerado por muitos como um dos pais da Neurorradiologia.
O que Egas Moniz não previu em 1927, é que a angiografia cerebral viria a ser útil não só no diagnóstico, mas também no tratamento de doenças. De facto, a angiografia cerebral permaneceu como procedimento médico diagnóstico executado por neurorradiologistas em todo o mundo, mas progressivamente foi adaptada para técnica de terapêutica endovascular.
Atualmente, a angiografia cerebral é aplicada na emboliação de aneurismas, de malformações artério-venosas e no tratamento do ACV em fase aguda, permitindo salvar vidas humanas em número cada vez mais significativo, como bem demonstram os estudos e as recomendações dos organismos de saúde mundiais.
Assim se vê também a influência e o contributo de Egas Moniz, volvidos já sessenta e seis anos desde o seu desaparecimento, em 1955. Com a devida distância temporal, torna-se mais fácil perceber o muito que o médico português fez com tão pouco, numa época marcada por condições técnicas. Atualmente, a angiografia cerebral beneficia de equipamentos de Raio-x mais sofisticados, cateteres de melhor qualidade e produtos de contraste menos nocivos e com maior opacificação dos vasos. Mas na base, o procedimento pensado e desenvolvido por Egas Moniz mantém-se, o que faz dele um visionário da Medicina, que merece ser relembrado e homenageado.
Egas Moniz e os 90 anos da angiografia cerebral serão o tema central da primeira edição da Brain Week – Semana do Cérebro e da Neurorradiologia, que decorre entre os dias 31 de maio e 6 de junho na região centro, de onde o médico era natural.
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