É a primeira vez na história dos Centros de Acolhimento a Toxicodependentes (CAT) que os enfermeiros se podem encontrar, trocar ideias, apresentar projectos e olharem-se “olhos nos olhos”. Momento este proporcionado pelo Primeiro Encontro da Delegação Regional do Centro, do Instituto de Drogas e Toxicodependência (IDT), realizado no Grande Hotel de Luso, no passado fim de semana. Um plenário com a assistência de cerca de 300 pessoas, dividido em dois dias e com a apresentação de temas vários, relacionados com o funcionamento dos CAT’s e o papel dos enfermeiros em relação à toxicodependência. “É UM SERVIÇO PERIFÉRICO” Com o objectivo de promover o reforço e a gratificação profissional dos enfermeiros que trabalham nesta área, e consolidar a cultura da actividade de enfermagem no tratamento da toxicodependência, foi o que levou a Delegação Regional do centro, do IDT, a juntar os CAT’s da região centro, nomeadamente, dos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu. Um conjunto de treze centros ao serviço do doente dependente de substâncias psicoactivas, que pretendem uma maior comunicação entre eles e a passagem de um funcionamento isolado de cada centro, em prol do doente toxicodependente, ao funcionamento em rede. Uma nova relação que permita, como explicou Ernestina Neto, supervisora da Delegação Regional do Centro, “pensar globalmente e agir localmente”. O papel do enfermeiro no serviço de apoio ao dependente está numa fase de mudança de paradigma profissional, alargando-se também a formação deste profissional à comunicação com o toxicodependente e a família, muito importante para o equilíbrio, auto-estima, auto-cuidado e inserção social do paciente. Mas, nem tudo é um “mar de rosas” e a maioria dos CAT’s funciona em condições precárias. Caves, sótãos e cozinhas são normalmente os espaços que restam para o exercício da enfermagem nestes centros. “Nos CAT a enfermagem é um serviço periférico”. Discutiu-se a vontade de melhorar os paradigmas da profissão, considerada por Ernestina Neto a “profissão marginal do IDT. O próprio IDT é periférico no Sistema Central de Saúde”. Entretanto, foi salientando que a profissão de enfermagem evoluiu de 1978 a 2003, deixando o enfermeiro de fazer apenas os “dirty Works” (“trabalho sujos”), abandonando a posição de “enfermeiro-máquina e passando a ser o enfermeiro-pessoa”, com uma relação mais próxima com o doente. André Simões, enfermeiro do CAT de Aveiro, apontou a comunicação, o auto-cuidado e a sexualidade com as componentes mais afectadas quando um indivíduo é toxicodependente. É nestas que se deve centrar a atenção do enfermeiro, incentivando o relacionamento do dependente com o mundo exterior; a reforçá-lo positivamente, sempre que haja progressos, evitando assim o seu isolamento social. “O enfermeiro num CAT deve saber desenvolver as capacidades de comunicação e relacionamento. Saber ouvir; dar indicações claras e favorecer a empatia”. Ernestina Neto acrescenta ainda que “há dias em que é preciso dar um beijo, dizer ‘tomaste banho hoje’, mesmo que isso só ocorra uma vez por ano”. REFORMULAÇÃO DOS CURRICULUS Este primeiro encontro no Luso é também o primeiro passo para uma maior ligação entre os CAT’s da região centro, valorizando a enfermagem que “numa comunidade não está para o utente, mas com o utente”, como ressalva Vitor Pereira, enfermeiro na comunidade terapêutica Arco-Íris. O enfermeiro é um profissional inserido numa comunidade tornando o toxicodependente “numa pessoa adulta e responsável”. Apesar dos medicamentos serem os mesmos, as técnicas de tratamento são heterogéneas, variando de um centro para o outro. Pretende-se assim uma maior uniformização nas regras e cuidados base a ter com o doente dependente de substâncias químicas. Foi ainda defendido neste encontro a reformulação dos currículos dos cursos superiores de enfermagem, muito ligados ao conceito bio-médico, esquecendo muitas das vezes a vertente humanista. A enfermagem precisa de se definir. Não pode ser confundida com outras profissões ou ciências, nem depender delas directamente. Continua-se a “oferecer em enfermagem currículos de self-service, com conteúdos irrelevantes, abstractos e facilmente esquecidos”, como referiu Ana Martins, presidente da Direcção Regional do Algrave e professora na Escola Superior de Enfermagem do Algarve. Está-se assim a relegar para segundo plano a vertente pessoal e social do paciente, “pensando-se que se é toxicodependente porque se quer e não porque é uma doença”. Miguel Midões |