A baixa comparticipação do Estado nos medicamentos derivados da morfina e a falta de formação dos médicos são duas barreiras ao tratamento da dor nos doentes com cancro em Portugal, indicam dados apresentados hoje em Lisboa.
"Portugal é dos países europeus onde menos opióides se consome e onde a comparticipação é mais baixa [cerca de 60 por cento]", sustentou José Castro Lopes, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED).
Na "generalidade dos países europeus, esses medicamentos usados no tratamento da dor oncológica são comparticipados a 100 por cento, ou pelo menos a 95, 90 por cento", frisou.
Castro Lopes falava na abertura do II Congresso APED/Centro de Anestesia Regional (CAR), a decorrer até sábado na Casa do Artista, em Lisboa, no âmbito da Semana Europeia de Luta Contra a Dor.
Um estudo recente feito em 15 países da Europa concluiu que uma em cada cinco pessoas sofre de dores crónicas moderadas a fortes.
Em Portugal, "metade da população sofre ou já sofreu de dor crónica ou dor oncológica".
"É um panorama preocupante. Hoje em dia, com os métodos de diagnóstico e terapêuticos que temos ao nosso dispor, a dor crónica é controlável em 90 a 95 por cento dos casos. Não faz sentido que haja tantos europeus a sofrer de dor crónica", notou o presidente da APED.
Em Portugal, um dos aspectos fundamentais é fazer com que haja "um acesso mais generalizado, com campanhas de informação, e mais fácil, aumentando a comparticipação, dos opióides", defendeu.
A falta de formação profissional dos técnicos de saúde é outro dos obstáculos ao tratamento da dor crónica, nomeadamente oncológica.
à Agência Lusa, Beatriz Craveiro Lopes, da Unidade de Dor do Hospital Garcia da Horta, afirmou que "na formação pré-graduada, é quase inexistente uma orientação" para o tratamento da dor.
"Em Portugal estamos a anos-luz de chegar à fasquia mínima desejável", considerou.
Estas e outras barreiras a um adequado tratamento da dor oncológica em Portugal foram identificadas por médicos, enfermeiros, farmacêuticos e psicólogos e compiladas num documento que propõe soluções.
Para Telmo Batista, da Faculdade de Psicologia de Lisboa e coordenador desse estudo, é necessária "mais formação, remoção das barreiras de acesso aos medicamentos, diminuição dos constrangimentos humanos e económicos e campanhas de informação aos doentes".
"Há um desconhecimento das pessoas relativamente ao local onde se devem dirigir, além de ideias distorcidas relativamente à dor, à doença e ao tratamento", notou.
Nesse sentido, o documento - 1º Consenso sobre Dor Oncológica - propõe campanhas de comunicação para esclarecimento da população.
Também José Castro Lopes considera existirem questões culturais, mitos, que dificultam o tratamento da dor.
Aos jornalistas, os especialistas notaram a desconfiança existente relativamente ao uso de morfina, apesar de estar provado cientificamente que o medicamento não causa habituação.
É preciso informar que "o tratamento da dor é um direito", defendeu José Castro Lopes.
O II Congresso APED/CAR conta com o apoio da Fundação Grunenthal e da rede internacional de associações para o Estudo da Dor PAIN.
Até sábado estarão reunidos 300 delegados para debater a problemática da dor crónica, riscos da dor aguda se transformar em dor crónica, novos medicamentos de tratamento, entre outros temas.