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12-10-2004

Funcionária da DGV corrompeu-se "por necessidade"


Aveiro

As testemunhas da funcionária da Direcção-Geral de Viação (DGV) em julgamento em Aveiro, acusada de emitir cartas de condução sem exame, corroboraram hoje a tese de que, se o fez, foi por necessidade e não por mau carácter. Foi essa a nota dominante dos depoimentos das várias testemunhas abonatórias que desfilaram hoje no julgamento que decorre no Tribunal de Aveiro, em que estão a ser julgados 17 arguidos por vários crimes de corrupção passiva, falsificação de documentos e falsidade informática. Natércia, figura central do processo que já reconheceu a acusação e se afirmou arrependida, já quando foi ouvida justificou o seu procedimento, que consistia em emitir cartas sem que os candidatos fossem sujeitos a exame, com o facto de viver sozinha com um filho deficiente a cargo, com a renda da casa para pagar e um ordenado limitado. As testemunhas hoje ouvidas e arroladas pela sua defesa, a cargo do advogado Celso Cruzeiro, procuraram dar consistência à sua justificação, quer enaltecendo o seu comportamento social e as suas qualidades humanas, quer confirmando os elevados custos que tinha de suportar com os tratamentos do único filho, deficiente, e a falta de rendimentos suficientes para fazer face a tais despesas. Foi assim com o depoimento do médico de família, Fonseca Martins, o qual declarou que os tratamentos a que o filho tem de ser submetido representam dezenas de contos por mês e que até ele próprio por vezes oferecia os medicamentos, dada a situação da senhora. No mesmo sentido depôs Mariano Pires, um advogado amigo da família há vários anos, o qual disse que Natércia "tem passado por dificuldades desde que se divorciou", só assim sendo explicável que se tenha deixado corromper. A forma como trata do filho, "que apesar de ser deficiente profundo se vê que é uma criança feliz e acarinhada", foi também enaltecida por essa testemunha. O procurador, Marques Vidal, questionou o médico sobre os tratamentos, estranhando que não sejam comparticipados pelo Estado e que a arguida não tenha, pelo menos, o apoio de um familiar, mas o clínico confirmou que o tratamento hormonal ministrado não tem comparticipação. Além das testemunhas abonatórias de Natércia, foram ainda ouvidos amigos pessoais de outros arguidos que afiançaram o bom comportamento anterior e a convicção no arrependimento. De acordo com a acusação, a funcionária, através da palavra- passe do sistema da DGV, emitia cartas reconhecidas pelas autoridades policiais como autênticas, já que não havia qualquer rasura ou falsificação das cartas em si. Eram falsas, mas porque os seus titulares não faziam os exames de condução e um dos "encartados" nem sequer sabia ler e escrever. Os "clientes" entregavam quantias de valor variável a intermediários, que depois faziam chegar à funcionária em causa os documentos pessoais necessários, para que esta pudesse emitir a licença de condução. Desses intermediários terá recebido quantias que variavam entre os 80 e os 350 contos e vieram-lhe a ser apreendidos vários depósitos bancários, alguns de montantes consideráveis, que as autoridades relacionaram com essa actividade. Entre os envolvidos no processo, um dos quais veio a falecer, figuram também pessoas ligadas a uma escola de condução de Lourosa, Santa Maria da Feira, e de uma empresa de legalização de automóveis de Ovar.

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