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26-05-2004

Da nossa justiça


Editorial

Saíram há dias, quase em simultâneo, duas notícias que tiveram uma limitada divulgação na nossa imprensa nacional.
A primeira, divulgada na edição da passada semana do «Diário de Notícias», referia-se a um inquérito aos advogados portugueses realizado pela respectiva ordem profissional. O inquérito, levado a cabo entre os meses de Junho e Julho do ano passado e agora conhecido, constitui, na verdade, um auto-retrato muito crítico dos quase dez mil advogados portugueses inquiridos. Destes, mais de 50 por cento considera que são frequentes as violações do estatuto que regula a sua profissão, 70 por cento acusam os colegas de não cumprirem as normas deontológicas e mais de 26 por cento consideram que a acção disciplinar da Ordem tem sido ineficaz para controlar as situações de abuso que ocorrem na profissão. Segundo o mesmo estudo, é também entre os advogados mais jovens que a profissão assume um maior desencanto pois apontam grande dificuldade em angariar clientes e garantem ser muito difícil suportar os custos profissionais iniciais. O estudo evidencia ainda que a grande maioria dos desiludidos, quase 20 por cento dos advogados indagados, auferem até 500 euros por mês.
Mas, mais surpreendente que tudo o que já referi, é que o inquérito revela que um quarto dos advogados não confia na Justiça. Esta opinião é, maioritariamente subscrita pelos profissionais que exercem advocacia há mais de 25 anos!

A segunda notícia surgiu na imprensa escrita e falada, depois de José Miguel Júdice, Bastonário da Ordem dos Advogados, no dia 18 de Maio, ter dado uma conferência de Imprensa sobre o Estado da Justiça, divulgando casos gritantes de atrasos em processos judiciais que os diversos Advogados lhe têm enviado. Nessa declaração, o Bastonário mantinha o compromisso de, diariamente e até ao dia 20 de Junho, enviar para os principais responsáveis da Justiça Nacional, casos concretos relatando-os como a “Galeria de Horrores”. Os “horrores” estão publicados no site da ordem http://www.oa.pt. Júdice deu alguns exemplos na citada conferência de imprensa, como aquele em que o poder paternal pôde estar quatro anos sem ser regulamentado, ou ainda a prisão preventiva de pessoas por mais de 2 anos sem serem julgadas.

Também na semana passada, num encontro organizado pela Ordem dos Advogados, o Presidente da República Jorge Sampaio, voltou a salientar que a justiça anda afastada do desenvolvimento económico e não responde aos desafios actuais do sector.

É de facto constrangedor apercebermo-nos do que todos estes protagonistas dizem e opinam acerca da nossa Justiça. Tomarmos conta que o sentimento destes é de uma frustração revoltante e que, no caso do Bastonário da Ordem dos Advogados, é de quase resignação.

Numa altura, em que precisamos de cultivar a auto-estima nacional, estas notícias abalam qualquer português. Se a estas notícias juntarmos, o já enraizado sentimento popular de que a justiça não se faz nos tribunais, o quase ridículo circo em que se têm transformado os mediáticos casos judiciais, ultimamente mais em voga nos media, que não existe avaliação profissional adequada dos nossos juízes – que, como todos sabem, por exemplo, demoram, por vezes, impunemente, anos a proferir decisões triviais – que, desde a entrada em vigor da tão publicitada reforma da acção executiva, em Setembro de 2003, um comum credor não consegue cobrar judicialmente uma simples dívida por falta de solicitadores de execução, então temos que dar um murro na mesa e cobrar de Durão Barroso aquilo prometeu na abertura do ano judicial – “que 2004 seria o ano da reforma da Justiça”. Parece que uma parte, muito pequena, da reforma já começou com os novos 543 notários a começarem a funcionar proximamente. Fica-se, então, à espera, mas com a convicção de que está (mesmo) muito por fazer…

António Granjeia
Administrador do Jornalda Bairrada

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