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NOTÍCIAS | | | 05-05-2004
| Um país reconciliado ou diabolizado?
| Pluralidade |
| Quem se puser a apreciar o que por aí se diz, bem como o que muitas pessoas dizem umas das outras, mormente quando pensam de modo diferente, fica com a impressão de que somos gente dividida, incapaz de dialogar e de se ouvir, que se nega a olhar para si própria, porque todo o tempo lhe faz falta para olhar os outros, os criticar e julgar, como sendo eles os grandes e os únicos culpados de todas as dificuldades nacionais. Os outros não são o inferno. São gente com valor próprio. A liberdade democrática, que tão justamente se apregoa e louva, não pode ser apenas utilizada em sentido negativo. Neste clima, a liberdade não reconcilia, agride e divide, julga e condena. Rotuladas as pessoas, acaba de vez a compreensão e a desculpa. Mas entra-se num clima falsificado. Não podemos multiplicar muros sem comunicação e gritar acusações para o outro lado. Não podemos fazer da memória um repositório de más recordações e parar aí, dificultando projectos possíveis de reconciliação, de aceitação mútua, de juntar esforços para fazer o que falta a bem de todos. Trinta anos deviam ter chegado para os políticos das diversas cores e os cidadãos dos diversos sectores sociais reconhecerem que não é verdade que os problemas mais importantes do país são sempre fáceis de resolver, quando não se está no campo das decisões. Já todos lá estiveram. O uso da liberdade não pode servir para gerar agressões inúteis, inocências injustas, juízos precipitados. É verdade que a adolescência anda retardada, mas trinta anos de democracia, não sendo muito, devem ser já tempo de alguma maturidade, por parte daqueles que têm mais responsabilidades. Mais uma vez, se poderá dizer que este não é o país real. Porém, se o ar se torna inquinado, todos dele vão respirando. Há que mostrar que, mesmo festejando a revolução que alguns fizeram, todos devemos agora lutar por um clima que nos torne mais próximos, mais humanos, mais tolerantes, mais capazes de construir, mais responsáveis pelo bem comum. Quando a memória não é fonte de projecto, a vida pára e o ambiente torna-se pesado e perigoso. Se os acontecimentos, que visam o bem de todos, ficam no poder só de alguns, desvirtuam-se e perdem o seu dinamismo inicial. Não vivemos no melhor dos mundos, mas, se quisermos um mundo melhor, temos de o construir unidos. Com responsabilidade e esperança. Com respeito e mútua aceitação. Não se pode viver em clima de permanente campanha eleitoral. O diálogo activo e respeitoso, sempre possível, gera vida nova. A intransigência e a intolerância cegam e diabolizam as relações das pessoas e dos grupos. Há sempre bem que pode servir de estímulo a um bem maior. Limpem-se os olhos e o coração e podemos ir sempre mais longe.
António Marcelino, Bispo de Aveiro
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