Zinco, chumbo, ferro e arsénio são alguns dos metais pesados descobertos por uma equipa da Universidade de Aveiro (UA) nas partículas emitidas durante a queima de vários tipos de pellets à venda no mercado nacional. Potenciadores de múltiplas doenças respiratórias e desencadeadores de cancro, os elevados teores de metais identificados pelos investigadores resultam da utilização, no fabrico das pellets, de resíduos de madeiras provenientes da indústria mobiliária e da construção civil que contêm colas e tintas ou que foram tratadas com biocidas para evitar a infestação. Sem legislação que regulamente o fabrico deste biocombustível e, principalmente, que proíba o uso de metais pesados na sua composição, as pellets fabricadas em Portugal, face ao preço elevado dos combustíveis tradicionais, são cada vez mais utilizadas em recuperadores de calor doméstico.
No decorrer da investigação a equipa do Centro de estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da UA queimou quatro tipos de pellets, um deles certificado pelo selo de qualidade EN-Plus, da responsabilidade da Associação Nacional de Pellets Energéticos de Biomassa (ANPEB) e que garante que o biocombustível, ligeiramente mais caro, é feito apenas com madeira sem casca e sujeito a testes físicos e químicos. No entanto, e dado não haver obrigatoriedade e controlo da qualidade dos pellets em Portugal, encontram-se à venda no mercado vários tipos desse biocombustível sem esta catalogação. Assim, além de pellets com rótulo EN-Plus, a equipa liderada pela investigadora Célia Alves queimou outros três tipos produzidos a partir de resíduos da indústria mobiliária e da construção civil.
“Enquanto os pellets certificados pela ANPEB cumprem os limites de emissão em vigor em países onde a certificação dos equipamentos de combustão e dos biocombustíveis é exigida, e não se detetam metais nas partículas emitidas, os restantes três tipos superaram os limites de emissão e as partículas revelaram a presença de metais pesados”, aponta Célia Alves que contou com a colaboração da investigadora Estela Vicente.
Entre as pellets sem o selo EN-Plus queimadas pelos investigadores do CESAM, “vários metais pesados, tais como zinco, chumbo, ferro e arsénio, foram encontrados nas partículas emitidas por serem confecionados com resíduos da indústria mobiliária e da construção civil”. Os elevados teores de metais, diz Célia Alves, “resultam provavelmente da utilização, no fabrico de pellets, de madeiras com colas e tintas ou tratadas com biocidas para evitar a infestação”.
Entre os metais encontrados, alerta Célia Alves, “o mais perigoso, em termos de saúde pública, é o arsénio” já que a intoxicação aguda provocada pela inalação daquele metal “provoca sérios problemas digestivos, hepáticos, renais, cardíacos e encefálicos que evoluem rapidamente”. A inalação de arsénio manifesta-se através de dor de cabeça, vómitos, sensação de formigueiro, icterícia e insuficiência cardíaca, também de rápida evolução. Em caso de intoxicação crónica, esclarece a investigadora, “as manifestações vão-se evidenciando gradualmente e baseiam-se em debilidade, perda de apetite, vermelhidão e úlceras na pele, dor de cabeça, inchaço e debilidade dos membros, problemas digestivos, renais, hepáticos e do ritmo cardíaco, com uma grave deterioração das funções mentais nas fases avançadas”.
A exposição crónica a doses baixas de arsénio pode mesmo conduzir ao aparecimento de cancro. “Vários estudos epidemiológicos concluíram que, em regiões onde os níveis de arsénio são elevados, a taxa de incidência de cancro, sobretudo da bexiga, pele e pulmões, é significativamente mais alta”, aponta.
Dado o interesse crescente no uso de pellets como fonte de energia renovável, aproveitado pela cada vez maior expansão de empresas viradas para equipamentos e combustíveis de biomassa, a investigadora do CESAM alerta que “é fundamental a adoção por todos os estados membros [da União Europeia], à semelhança do que já fizeram, por exemplo, a Dinamarca, a Suiça, a Áustria ou a Alemanha, de normas que restrinjam a utilização de determinadas matérias-primas no fabrico de pellets”. É também urgente, apela, “a imposição de processos de certificação dos vários equipamentos para evitar a comercialização de caldeiras, salamandras ou recuperadores ineficientes com elevadas emissões”.
O trabalho do CESAM foi financiado pelo projeto europeu AIRUSE, no âmbito do programa LIFE+.
Texto e foto: UA
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