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01-04-2003

Atentado ambiental


Anadia

Anadia Atentado ambiental em Anadia Se a um lisboeta dissessem que todas as árvores do Jardim da Estrela seriam derrubadas, ele certamente soltaria uma gargalhada sardónica perante tão estapafúrdio cenário. Proverbialmente mais bairrista, um portuense não teria reacção menos incrédula se lhe apontassem o mesmo fim às árvores do Jardim da Cordoaria, por exemplo. Isto porque o património arbóreo é um elemento fundamental da memória colectiva dos municípios e um factor de bem-estar para quem neles reside. Daí que os cidadãos estabeleçam ligações afectivas com as árvores e as autarquias procurem, como guardiãs do interesse colectivo, preservar essas mesmas árvores. Assim acontece na generalidade dos municípios portugueses, já para não falar no restante mundo civilizado. Mas acontece em todos os municípios? Não! Qual aldeia gaulesa de Asterix, a vila de Anadia resiste obstinadamente a quaisquer invasões de sensibilidade e bom senso ecológico, graças ao profundo e repetido desrespeito que a autarquia manifesta pelo património arbóreo do concelho. À sua escala, verificou-se em Anadia o hipotético cenário que criei, no início do texto, para um lisboeta e um portuense. Tal como nessa pequena alegoria, também os anadienses foram confrontados com aquilo que pensavam ser de todo improvável: o corte das frondosas árvores do jardim da vila. Só que, neste caso, a tragédia aconteceu mesmo. Em meados de Dezembro passado, e aproveitando a introdução de parquímetros nos passeios e consequente arranjo urbanístico da Praça Visconde de Seabra, a Câmara Municipal de Anadia derrubou e substituiu, no espaço de poucos dias, as árvores cinquentenárias do jardim da vila, nomeadamente Castanheiros e Tuias. Imbuída do estilo autoritário e azougado que caracteriza o seu presidente, a autarquia destruía assim uma parte significativa da memória física de Anadia. Mas o acontecimento mais deplorável estava reservado para o fim. Alertada para a importância de uma monumental Ginkgo biloba que se encontrava num dos topos do jardim, a câmara poupou momentaneamente a peculiar árvore e assim manteve acesa a esperança de que pelo menos essa espécie continuaria a afagar-nos o olhar. Do mal o menos, pensaram alguns incautos. Erro crasso! Às 6h00 da manhã (!?!) de um sábado, portanto longe de olhares indiscretos e observando as regras do mais puro terrorismo autárquico, a edilidade procedeu ao transplante da Ginkgo biloba. E, como seria de esperar de quem acha que tudo sabe e considera a ajuda de especialistas despicienda, fez asneira da grossa. A pobre árvore partiu-se ao ser retirada e o seu tronco exangue está hoje espetado (não se pode dizer plantado, pois o terreno nem sequer foi preparado para o efeito) junto ao cemitério da vila. O local não poderia ser mais adequado, sendo certo que o que espera a tão sublime árvore é tão-só a morte. Tive a oportunidade de admirar a imponente Ginkgo biloba pouco antes de ser arrancada e decepada, mantendo-se bem presente na minha memória o luxuriante manto amarelo com que as suas folhas atapetavam o passeio. Por isso digo sem qualquer medo das palavras: só alguém muito cruel, repito, muito cruel, seria capaz de mandar arrancar semelhante árvore. E esse alguém, para infortúnio dos anadienses, é o próprio presidente da câmara, Litério Marques, que parece obstinado na destruição do património histórico da vila e na transfiguração da mesma segundo uma estética arquitectónica de subúrbio. Mas o que é que justifica o derrube de árvores que estavam no auge da vida, e por isso cumpriam na plenitude a sua função social, ambiental e cultural, para depois as substituir por outras que têm ainda um longo caminho a percorrer até atingir a maturidade? Qual é a lógica de destruir um jardim concebido por um arquitecto para fazer nascer um jardim que não obedece a projecto algum? Será que Anadia não merece uma intervenção profissional e idónea nos seus espaços verdes, em vez da cultura do desenrasque e da habilidade que tem norteado as acções da câmara nesta área? De resto, a autarquia demonstra, desde há muito, uma grande animosidade em relação ao património arbóreo do concelho, patente na forma grotesca como há cerca de dois anos foram podados os plátanos da Avenida 25 de Abril. Este acto selvático desfigurou para sempre um conjunto de árvores emblemáticas de Anadia, além de lhes ter reduzido a esperança de vida e de as ter fragilizado perante eventuais doenças. Aliás, a poda então realizada é apontada como exemplo negativo em congressos ambientais e de arboricultura, tendo tornado Anadia tristemente célebre entre ecologistas portugueses e do resto da Europa. Esperemos agora que a câmara não se lembre também de abater os já muito sacrificados plátanos da Avenida 25 de Abril ou de efectuar uma poda radical nos plátanos da avenida da Curia, comprometendo assim o incomensurável valor biológico, histórico e estético deste conjunto arbóreo. Depois do massacre no jardim da vila e da confirmada demolição da casa onde viveu Mário Duarte, os munícipes de Anadia já podem esperar todo o tipo de atentados ao seu património histórico e ambiental. Não tenhamos dúvidas: o perigo espreita! Sem uma opinião pública activa, a autarquia tende a agir ao arrepio da memória, dos afectos e das mundividências dos seus munícipes. E se o anterior presidente nada fez e, por conseguinte, também nada de importante destruiu, o actual edil, pelo contrário, quer a todo o transe mostrar obra e deixar a sua marca pessoal na vila. Só que a marca do Sr. Litério Marques é uma marca de desprezo pelo património histórico, de insensibilidade ambiental, de mau gosto estético (veja-se a aberração em que se está a transformar a Praça do Município), de irresponsabilidade urbanística e de autoritarismo no relacionamento com os munícipes. Ricardo Miguel Gomes Assessor de imprensa e munícipe de Anadia (17 Fev 03 / 9:50)

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