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NOTÍCIAS | | | 01-04-2003
| Um adeus sem saudades
| Editorial |
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Um adeus sem saudades
Armor Pires Mota
Escrevo nas vésperas do novo ano que, sem ter nascido ainda, já está torto por más heranças do anterior, que, apesar de tudo e dentro das conjunturas e condicionantes, se foi mau, não o foi o ano todo. Nos primeiros meses ainda se viveu nas nuvens, na ilusão rosa de gente rica e feliz, com o sorriso cravejado nos pilares do futuro que se revelaram demasiado frágeis.
Entre o abandono inopinado e inexplicado de Guterres, fez há poucos dias um ano, para o país não cair num pântano (mas já tinha caído) e o decorrer das eleições legislativas, o país ainda viveu alguma euforia e agarrou com as duas mãos algumas promessas. Palavras bonitas, embrulhadas em papel matizado são sempre muito agradáveis. Só que, entre as palavras e os actos, há sempre uma grande distância. Foi uma sementeira às cegas, mas que cegou de luzes falsas a ribalta, sempre ávida de melhores condições de vida. Nomeadamente o PSD que, inesperadamente, se viu governo, mas, sem maioria absoluta, se viu obrigado a fazer aliança com a direita de Paulo Portas de quem Durão Barroso não dizia coisas abonatórias.
Chegado ao governo, Durão Barroso olhou para o baú das finanças, chamou Manuela Ferreira Leite e ambos ficaram desolados. O fundo estava praticamente descoberto. Um buraco de se lhe tirar o chapéu.
O que eram então promessas, já não eram senão palavras para deitar fora, lançar ao vento, em nome da necessidade de tapar o buraco. E assim é que, de uma assentada, não só foram engolidas as promessas que haviam sido cuspidas para o ar, como a ministra Ferreira Leite arquitectou mágica engenharia financeira para dar a volta à tanga do país, logo anunciada. O IVA foi aumentado, desfez-se de milhentos tarecos de família, alienou a PT, implementou a portagem na CREL abandonado pelo PS, que agora, em conjunto com o PC, vai entrar no businão, (lindo para quem quer ser governo!), anunciou ainda um bom e aliciante perdão às empresas e cidadãos que, neste regabofe nacional, não cumpriram, atempadamente, com as obrigações ficais.
Com isto tudo arrecadou os milhões suficientes para ficar bonita perante a Europa e a rir-se, marota, do Pacto de Estabilidade e a sair em grande deste 2002.
Quem não se ri nada é o povo, embora entanda na sua maioria que tem de ser assim.
É evidente que o nosso défice orçamental ou financeiro não é apenas de hoje, foi de sempre. Andamos sempre de calças na mão. Mas temos para nós que o nosso e mais perigoso défice é o da cultura. No momento não concluem a instrução obrigatória 45% dos que dão entrada, um dia, nas escolas. O país mais burro da Europa. Por isso, erramos as contas. O governo, por vezes, também. Continuamos assim sem saber se é um país viável com este défice cultural em muitos campos, até no do trabalho.
Medidas necessárias, dizem-nos e nós somos dos que acreditamos e damos o benefício da dúvida. Tão de urgência que chegamos mesmo a temer que Ferreira Leite, acabados os anéis e os trastes da casa, venda os palácios. Onde se encontra o governo e os ministérios. Admiram-se? Basta um descuido, uma urgência... Lá ia para a rua o governo.
Mas, não, haja uma réstea de esperança neste 2003. Guardar a esperança no futuro ainda é o melhor antídoto para tanto desânimo e é a porta aberta para a alegria de melhores dias. Durão Barroso, que está a mostrar capacidade, a criar estilo, mostrando firmeza crescente e lançando reformas que, todavia ainda estão por fazer quase todas, denuncia cada vez mais firmeza na rota traçada e os portugueses começam a conceder-lhe mais uns pontos de crédito, embora a confiança ainda seja elo bastante fraco.
Se a conjuntura de dentro e de fora não tem sido favorável ao governo, também a onda de casos, suspeições e escândalos, não tem ido propriamente inofensivo quanto a custos de popularidade do governo que o PS logo tentou derrubar pela porta mais vulnerável - Paulo Portas, que, passadas as modernices e graças ao Prestige e ao navio que foi dar às águas algarvias, conseguiu vir à tona e sobreviver. Celeste Cardona também dançou na corda bamba entre o fogo cerrado da esquerda e a PJ.
Para tornar ainda mais pestilento e mais malcheiroso, explodiu o caso de pedofilia na Casa Pia, de que misteriosamente ninguém ouvira falar, todos os silêncios se deitaram ao longo das almas. Políticos fizeram-se desentendidos, surdos e mudos, como estátuas.
Portanto, um ano cheio de emoções, medos e horrores, de grave sementeira de suspeições, de tudo um pouco, nomeadamente no futebol e na Secreta Militar. Todavia, Durão Barroso mostra-se um pouco mais confiante em melhores dias e no fim do ano deixou mensagem de esperança que é sempre construtora de futuro.
Se o ano de 2003 decorrer sem alguma desta porcaria, ou seja mais limpo, já poderemos, nesse aspecto, considerá-lo melhor do que o que agora fecha, portas tristes. E, se em vez de tudo isto, houver sentimento de maior segurança e estabilidade e a ministra não carregar ainda mais os calos aos portugueses, então teremos motivos para festejar daqui a um ano.
Oxalá que sim, mas não nos parece que assim venha a acontecer, porque o poder de compra vai ser adiado, o IVA é para durar até 2006, as taxas moderadoras vão aumentar, o desemprego crescer. Também na Bairrada, onde há empresas que eram exemplares, a dispensar trabalhadores. Isto tudo porque o Pacto de estabilidade e Convergência exige que, em 2003, o défice estatal não ultrapasse os 2.4%. Sempre o aperto do cinto. Estamos, no entanto, certos de que alguns irão morrer da cura.
E olhem: já agora, alma até Almeida. Pior ano que o do ano 2002 não poderá haver. Ou haverá? Pensar assim já é ter um fio de esperança a tecer o futuro de melhors dias.
De qualquer forma, para todos um Bom Ano e façam fisgas a mais impostos e mais portagens...
(31 Dez / 14:24)
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