É uma nova forma de violência, dá pelo nome de cyberbullying e amplia as consequências do bullying tradicional. Pouco estudado em Portugal, o fenómeno que difunde ameaças, difamações e violência psicológica através da internet é um meio cada vez mais utilizado pelos jovens para ofender terceiros. Uma investigação realizada pela Universidade de Aveiro (UA) durante um ano lectivo numa Escola Secundária com o 3.º Ciclo do Ensino Básico do Distrito de Aveiro revela que 31 por cento dos alunos admitiu conhecer um colega que já foi “gozado ou ameaçado na Internet”. O mesmo trabalho, que desvenda o fenómeno do bullying naquela escola e aponta soluções para o erradicar, contabiliza em 13 por cento os estudantes do 10.º ano que já foram ameaçados, pelo menos numa ocasião, no ciberespaço, sendo essa percentagem mais significativa (19 por cento) no caso dos jovens dos Cursos Profissionais. Outro “dado preocupante”, apontado pelo estudo de José Ilídio Sá, diz respeito ao número significativo de sujeitos que admite desconhecer a identidade do seu agressor e que revelou não ter reportado a agressão de que foi alvo a terceiros, “comprovando aqui a forte relutância por parte da vítima em relatar o sucedido junto dos adultos, sobretudo na escola”. Sublinhado está também “o número igualmente significativo de situações em que os pares, na qualidade de testemunhas, revelaram adoptar uma postura pouco activa no sentido de cessarem os conflitos ou procurarem ajuda para o fazer”. “Este é um problema que diz respeito a toda a sociedade e não apenas às escolas”, aponta José Ilídio Sá, autor da tese de doutoramento "Bullying nas Escolas: Prevenção e Intervenção" realizada no Departamento de Educação da UA. O Director do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida (Espinho) sublinha que, no caso concreto do bullying electrónico, “a fronteira entre o espaço escolar e o exterior torna-se quase impossível de delimitar”. Também por isso, “a responsabilização do agressor, quer seja na vertente disciplinar ou na criminal, torna-se assim muito difícil de comprovar e o próprio transgressor (re)conhece esse embaraço legal, chegando mesmo a explorá-lo ainda mais”. “Uma vez que um número significativo de situações de ciberagressão tem como palco, para a vítima ou para o agressor, o espaço do domicílio”, o investigador aponta que “o papel das famílias assume particular relevância, designadamente no que diz respeito à vigilância e à monitorização dos padrões de uso e de consumo da Internet por parte dos jovens, e à definição de regras por parte dos pais”. Estas podem incluir e definir a monitorização dos tempos de utilização e dos conteúdos e a localização dos equipamentos, procurando, por esta via, inverter a “cultura do quarto” característica nestas faixas etárias. O cyberbullying, garante o responsável, “traduz inquestionavelmente uma forma mais complexa de bullying”. Em muitos casos, surge como a continuação do bullying presencial, mas noutras situações desponta como o “espaço predilecto do agressor”. O anonimato ou a falsa identidade do ofensor, a enorme quantidade de observadores presentes, a velocidade viral de propagação das ofensas, agressões e humilhações, ou mesmo a facilidade de acesso e a facilidade de acesso à Internet, smartphones com câmara fotográficas e de vídeo, tablets e a quantidade de postos com computadores disponíveis “tornam esta problemática muitíssimo difícil de combater e erradicar”. A investigação de José Alves de Sá, que pretendeu delinear os factores e as dinâmicas que caracterizam o fenómeno do bullying e que contribuem para a sua ocorrência, para que sejam encontradas estratégias e soluções eficazes na abordagem ao fenómeno, envolveu o estudo de duas turmas ? uma do 7.º e outra do 10.º ano ? e os respectivos 21 professores, entre Setembro de 2010 e Junho de 2011, daquela escola de Aveiro. Foram, por outro lado, aplicados dois questionários a 190 alunos (99 rapazes e 91 raparigas dos mesmos anos de escolaridade – anos iniciais de ciclo) e ainda efectuadas entrevistas a pequenos grupos no âmbito do projecto-piloto tendo como intervenientes alunos e docentes. “Foi-nos possível apurar que as percentagens de vitimação de bullying presencial considerado por nós moderado se situavam abaixo dos 10 por cento, sendo que, para as ofensas sofridas de modo mais intenso, e passíveis de serem considerados efectivamente casos de bullying, esses níveis não ultrapassavam os 5 por cento para qualquer uma das formas de agressão apresentadas”, aponta o investigador. De facto, e para as agressões sofridas “mais do que duas vezes” nos dois meses anteriores ao preenchimento do questionário pelos inquiridos (situações de frequência moderada), 8,4 por cento assinalou ter sido alvo de mentiras sobre si, 7,9 por cento de falsos rumores ou de gozo, 6,8 por cento de nomes impróprios, 5,3 por cento de empurrões e 3,2 por cento de insultos. A percentagem de alunos que foi alvo de agressão “uma ou várias vezes por semana” – forma continuada, mais grave e severa de bullying - não ultrapassou os 5 por cento. Os dados indicaram igualmente as ofensas directas verbais e indirectas como sendo as mais frequentes entre os adolescentes inquiridos, surgindo em terceiro lugar as de pendor direito físico. Os índices de vitimação apresentam valores superiores junto dos alunos mais novos, independentemente do seu género. A pesquisa permitiu apurar, ainda na óptica dos agredidos, que perto de 45 por cento dos jovens vítimas de agressão admitiu não ter reportado o sucedido a uma terceira pessoa tendo, por isso, “sofrido em silêncio de modo presumivelmente continuado e prolongado”. José Ilídio Sá chama ainda a atenção para o fato de, no papel de observadores, “cerca de 27 por cento dos jovens confessou também assumir uma atitude passiva ou de indiferença perante uma agressão testemunhada”. Os que optaram pela denúncia fizeram-no a um colega (42,6 por cento) ou a um familiar (29,7 por cento dos casos, sendo que 23,8 por cento aos respectivos pais e 5,9 por cento aos irmãos). “Note-se que apenas uma percentagem muito residual de jovens (13 por cento) mencionou ter participado essa agressão a um adulto da escola”, diz José Alves de Sá. Quanto à postura dos alunos perante uma agressão testemunhada, os dados atestaram que pelo menos perto de um quarto dos alunos (26,8 por cento) confessaram assumir uma atitude passiva ou de indiferença perante uma agressão testemunhada, um comportamento traduzido em nada fazer, virar as costas ou limitar-se a assistir. “Estas duas realidades (“relato de agressões sofridas a terceiros” e “postura dos alunos perante uma agressão testemunhada”) confirmam indubitavelmente a grande margem de actuação que as escolas ainda dispõem a este respeito”, aponta o investigador. “O aparente divórcio aqui verificado entre alunos e adultos nas escolas reproduz, por ventura, a falta de confiança ou o afastamento comunicacional e afectivo dos dois grupos. A aparente apatia dos mais novos no caso das agressões testemunhadas, indicia que devem ser desenvolvidos e incentivados os comportamentos de maior responsabilidade e assertividade social interpares”, acrescenta. O estudo confirma, em primeira instância, a necessidade de sensibilizar e de mobilizar toda a comunidade escolar para a problemática do bullying, prestando especial atenção ao papel vital que cada sujeito desempenha. José Ilídio Sá destaca, por outro lado, “a aposta que deve ser feita na vertente da informação e formação de professores, não docentes, alunos e pais com o claro propósito de serem criados e preservados climas de escola positivos e seguros”. “A parte empírica do trabalho que realizámos veio confirmar e apontar para a existência de uma matriz assente em três pilares ? princípios estratégicos/operacionais ? fundamentais à estruturação de qualquer programa que vise prevenir e combater os comportamentos de bullying e cyberbullying nos estabelecimentos de ensino”, aponta. Desde logo, “destacamos um primeiro pilar – o da sensibilização – e que se desmultiplica necessariamente na difusão de informação baseada em evidências (dados estatísticos e/ou testemunhos assentes em casos reais), na consciencialização de toda a comunidade escolar para a seriedade e perversidade dos fenómenos (realçando todas as possíveis consequências negativas) e para a necessidade de mobilização de todos os sujeitos, seja a direcção, os professores, os assistentes operacionais, os alunos e as famílias”. Segue-se o pilar central da confiança e “que se materializa nos mecanismos ao dispor da escola para obviar ou responder aos diversos relacionamentos de conflitualidade que vão surgindo”. Este “determina a promoção de um clima de escola caracterizado por ser positivo e seguro, alimenta-se da confiança depositada nas escolas, reforça os laços de amizade e de afectividade entre todos os elementos da comunidade escolar - com particular incidência no fortalecimento dos relacionamentos entre jovens e professores - ou da confiança nas capacidades individuais de cada um para evitar a ocorrência de comportamentos de agressão ou para os reportar a terceiros”. Em terceiro lugar, “o pilar da acção que consiste na mudança de um paradigma assente na apatia, na indiferença ou na insensibilidade perante a dor ou a humilhação vivida por terceiros para um modelo mais humanista e solidário, em que os sujeitos se encontram plenamente capacitados para identificar os comportamentos de cariz ofensivo e disponíveis para agir de acordo com as circunstâncias”. Reflecte, por conseguinte, conclui o investigador, “a Escola como palco para a aprendizagem e para o exercício pleno de valores cívicos – ajuda, amizade, convivência, cooperação, paz, solidariedade, tolerância”. |