Investigação publicada na revista Science com coautoria de Caroline Lavoie, cientista do Departamento de Geociências e do CESAM
A Universidade de Aveiro ajuda a desvendar os porquês do colapso da plataforma de gelo Larsen B. Descobriu que afinal não são só as correntes quentes oceânicas as culpadas pelo colapso das plataformas de gelo flutuantes.
O culpado é também o aquecimento da superfície do gelo cuja água derretida se infiltra na enorme estrutura gelada, destabilizando-a até ao colapso final. A conclusão é de uma equipa internacional de investigadores dos Estados Unidos, Portugal, Itália, Alemanha, Canadá e Reino Unido que trouxeram para a luz do dia uma nova visão sobre a dinâmica das plataformas de gelo flutuante da Antártica cuja compreensão é essencial para se perceber como vão comportar-se durante o aumento da temperatura global da atmosfera.
O estudo, que contou com a participação da Universidade de Aveiro, foi publicado este mês na revista Science e dá como exemplo a desintegração catastrófica em 2002 da plataforma de gelo flutuante Larsen B, situada ao largo da Península Antártica, um acontecimento que a equipa provou estar associado a mudanças da temperatura atmosférica e à consequente fusão do gelo.
Baseado numa série de dados marinhos colhidos em 2005 e 2006 no local onde existiam os 3250 quilómetros quadrados de gelo da Larsen B, os cientistas financiados pela Divisão de Programas Polares da American National Science Foundation (NSF) concentraram-se a estudar nos sistemas de linha de âncora de gelo, ou seja, na zona de transição entre a calota de gelo ancorada no continente, neste caso ancorada no fiorde de Crane, e a própria plataforma flutuante.
Na Science os cientistas revelam que a principal linha de ancoragem do gelo de Crane estava muito mais para o interior antes de 2002. Isto implica que o colapso nesse ano da Larsen B foi uma resposta ao aquecimento da temperatura da superfície da plataforma de gelo e não devido à instabilidade da linha de âncora de gelo causada por correntes quentes oceânicas.
“Os novos resultados apoiam a ideia de que o aquecimento da superfície do gelo [devido ao aumento da temperatura atmosférica] e os seus efeitos posteriores, tais como o desenvolvimento de lagoas de fusão e fendas ou fissuras na superfície do gelo, permitem que a água mais quente se possa infiltrar para dentro do gelo para causar tal colapso”, explica Caroline Lavoie, investigadora do Departamento de Geociências e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA.
O estudo refuta assim a explicação, até agora partilhada entre a comunidade científica internacional, que apontava que o colapso da plataforma de gelo Larsen B se ficou a dever à instabilidade da grande linha de ancoragem do gelo que a ligava ao fiorde de Crane, causada por correntes quentes do Oceano Antártico.
A cientista da equipa que desvendou os verdadeiros motivos do colapso da Larsen B alerta que essa desintegração “mostra que as plataformas de gelo flutuantes podem mudar em escalas de tempo socialmente relevantes, sendo o aquecimento da atmosfera o principal gatilho”.
“O recente colapso catastrófico da plataforma de gelo Larsen B sugere uma acentuada sensibilidade ao aquecimento da superfície do gelo, um novo processo que nunca foi levado em consideração como parte dos mecanismos até agora usados para prever a subida global do nível do mar” explica Caroline Lavoie.
A investigadora ao serviço da Divisão de Programas Polares da FCT, a divisão que gere o Programa Antártico dos Estados Unidos e coordena toda a investigação nos Estados Unidos sobre a Antártida e o Oceano Austral, aponta mesmo que este tipo de colapso pode ter começado noutras partes da Antártida e que a resposta potencial de uma plataforma de gelo flutuante ao aumento da temperatura do ar “pode ser muito mais rápido do que se pensava”.
A exposição do fundo do mar após o colapso da plataforma Larsen B permitiu aos cientistas o mapeamento morfológico detalhado e a amostragem de sedimentos de uma região que já esteve coberta por gelo. Os dados recolhidos revelaram uma grande linha de ancoragem do gelo na frente do fiorde Crane. “A cronologia dos sedimentos colhidos na linha de ancoragem do gelo indica uma perda de contacto do gelo com o fundo do mar há mais de 12.000 anos nesta área de estudo”, aponta a investigação.
Compreender a dinâmica destes sistemas de linha de âncora de gelo, apontam os cientistas que do estudo, é cada vez mais relevante para prever a subida global do nível do mar já que a calota de gelo da Antártida contém um volume de água fresca tal que se colapsasse para dentro do mar, e derretesse completamente, provocaria uma subida do nível do mar de cerca de 60 metros em todo o planeta.
texto: UA |