A Universidade de Aveiro acolhe estudantes sírios que aprofundam a formação em Portugal em abrigo de uma iniciativa da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios. Ihsan Khalifa, Ahmad Kalthoum e Hazem Hadla chegaram à Universidade de Aveiro na última semana numa iniciativa do ex-presidente Jorge Sampaio que quer trazer para Portugal jovens refugiados sírios para que possam continuar os estudos.
Aqueles alunos estão já a frequentar, respetivamente, o Mestrado em Engenharia Civil, a Licenciatura na mesma área e o Doutoramento em Engenharia Eletrónica. Os três jovens fazem parte do grupo de meia centena de sírios que chegou ao país dia 1 de março para prosseguir os estudos em universidades e escolas politécnicas portuguesas. Este é o primeiro conjunto, de um total de cerca de 200 estudantes sírios, aos quais a Plataforma pretende atribuir bolsas de estudo através de um fundo de emergência.
Estudava Engenharia Civil na Yarmouk Private University, em Damasco. Na capital síria, Ihsan Khalifa, de 22 anos, acabava de concluir a licenciatura quando o conflito armando eclodiu. “A minha universidade não fechou mas as circunstâncias tornaram-se tão pesadas que se tornou muito complicado continuar a estudar”, lembra. Apesar de Damasco ser “uma cidade um pouco mais segura em relação a outras zonas do país”, ainda assim sair de casa tornou-se uma aventura perigosa. “Não podemos sair para a rua e ir para a universidade livremente e em segurança porque nas ruas, a qualquer momento, uma bomba pode explodir ou pode haver um tiroteio repentino”, descreve.
No início de 2013, com o alastrar do conflito armado, deixou com a família o país e refugiou-se na Jordânia, mais concretamente na cidade de Amman onde esteve oito meses sem estudar. O sonho de ser um dia engenheiro civil parecia adiado até ter tido conhecimento da iniciativa de Jorge Sampaio através da Dubarah, uma ONG síria fundada para ajudar a encontrar trabalho e alternativas de estudo a refugiados sírios. Ihsan Khalifa increveu-se há 5 meses atrás e foi aceite entre os 2500 candidatos. “Tive muita sorte em terem apostado em mim”, regozija-se.
O objetivo agora é concluir o mestrado em Engenharia Civil que veio frequentar no Departamento de Engenharia Civil da UA. “Quero o tirar o meu mestrado para adquirir a experiência necessária para regressar depois da guerra civil acabar – o que espero que aconteça o mais rapidamente possível - e fazer parte do processo de reabilitação do meu país”, afirma. Na cabeça, Ihsan Khalifa já trazia a imagem de um Portugal moderno com universidades tecnologicamente avançadas que serviram os seus objetivos académicos. A UA não o defraudou, antes pelo contrário. “Esta é uma Universidade famosa por estar muito desenvolvida nas áreas tecnológicas. Estou, por isso, muito satisfeito em cá estar”, reconhece.
Também tem o sonho de ser engenheiro civil. Ahmad Kalthoum, de 19 anos, terminava o ensino secundário em Damasco quando a guerra eclodiu e as ruas se tornaram demasiado perigosas. “As explosões e os tiros que se passaram a ouvir nas ruas” tornaram a casa de família um lugar onde o regresso, depois de se colocar um pé do lado de fora, não estava assegurado.
“É muito perigoso circular nas ruas de Damasco por isso, quando terminei o liceu, não me pude inscrever na Universidade”, lembra o jovem estudante que nos últimos dois anos perdeu vários familiares e amigos atingidos pela guerra civil. Em casa, através da internet, tomou conhecimento da Plataforma portuguesa e o sonho ganhou novo fôlego. Candidatou-se, foi aceite, despediu-se da família e, transportado por um comboio humanitário, viajou de Damasco até Beirute de onde a aeronave militar C-130 da Força Aérea Portuguesa transportou os estudantes sírios até ao Aeródromo de Figo Maduro.
Apaixonado por Matemática e pela Física, na UA Ahmad Kalthoum já está a frequentar a Licenciatura em Engenharia Civil. Inscrever-se no mestrado na mesma área, também na academia de Aveiro, é o objetivo que se seguirá dentro de três anos. Tempo mais do que suficiente, deseja Ahmad, para as armas serem depostas na Síria e pensar em regressar um dia.
Hazem Hadla tem 30 anos e viu eclodir a guerra civil síria a partir do Egito. Na Universidade do Cairo iniciava o Mestrado em Engenharia Eléctrica quando os primeiros tiros colocaram o país natal nas manchetes do mundo. Nunca mais regressou. As notícias que lhe chegam desde então de Homs, a cidade de onde partiu para o país dos faraós com uma mala carregada de sonhos, dão-lhe conta de uma região devastada. “Os meus pais sempre me disseram para não regressar por causa da guerra. A minha região está a ser muito afetada”, diz. Ficou por isso no Cairo depois de concluído o mestrado. Sem suporte financeiro para continuar a estudar a área da sua paixão e sem conseguir encontrar trabalho – “mesmo para os egípcios a situação está muito complicada e perigosa com bombas a explodirem diariamente ” – sobreviveu com muitas dificuldades.
Em setembro do ano passado, também através da Dubarah, soube da mão que Portugal estendia aos estudantes refugiados sírios. Tentou a sorte e inscreveu-se. “Quando vi o meu nome aceite ficou muito, muito feliz”, relembra. Deixou o Cairo em fevereiro e rumou a Beirute ao encontro da esperança. Na UA vai fazer um Doutoramento na área da Electrónica no Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática.
“Quero agarrar muito bem esta oportunidade e concluir com êxito o doutoramento para ter boas habilitações de forma a encontrar um bom trabalho, ter uma vida normal e ajudar a minha família que está a passar por muitas dificuldades e precisa muito de mim”, diz Hazem Hadla.
Ihsan Khalifa, Hazem Hadla e Ahmad Kalthoum querem que o conflito sírio termine o mais rapidamente possível. “Já chega de guerra, já chega de ver os sírios a matarem-se uns aos outros”, dizem entre os agradecimentos ao governo português e à Universidade de Aveiro pela oportunidade que lhes foi dada de estudarem num “sítio pacífico” e onde se sentem “muito bem-vindos”.
“A UA e a sua comunidade não podiam ficar alheias a esta iniciativa de cariz humanitário promovida pelo Dr. Jorge Sampaio, tão meritória e urgente, em particular por se tratar de garantir aos jovens sírios atingidos pela grave situação do seu país o acesso ao ensino superior e o convívio fraterno com uma comunidade internacional de quase 80 nacionalidades, que lhes permita continuar a sonhar e a construir, com dedicação e empenho exigentes, um futuro otimista”, afirma Manuel António Assunção.
O acolhimento dos jovens estudantes sírios constitui, acrescenta o responsável pela academia, “uma oportunidade para nós e para Aveiro, na medida em que podemos compreender melhor outra cultura e, de forma ativa, participar na construção de pontes para um mundo melhor”. |