“Chamo-me Leonilde. Leonilde Morgado da Rocha. Agora é sempre Leonilde Morgado Rocha. Mas o meu nome é Leonilde Morgado “Da” Rocha. Tenho 91 anos. Quase 92. Mas olhe que eu não sei conversar. Sou analfabeta. Aos 14 anos já ia sozinha vender pão para Ílhavo. Depois fiquei sempre a padeira. Fui padeira a vida toda”.
Ufa. Que ritmo! Assim mesmo. Tudo seguidinho. A D. Leonilde fala tão depressa, que é complicado acompanharmos a sua velocidade. Qual padeira de Aljubarrota a despachar castelhanos, a D. Leonilde despacha palavras. É sempre a aviar. Nem as deixa fermentar, para ganhar corpo.
Em tudo o resto esta nossa padeira de Vale de Ílhavo não corresponde à descrição da sua companheira de armas, de Aljubarrota. Não é corpulenta, como reza a lenda da padeira Brites de Almeida. Bem pelo contrário. Todo o corpo é franzino. Frágil, até.
O cabelo é grisalho. Faz lembrar a farinha. Mas não aquela farinha imaculada que encontramos num pacote aberto recentemente. Mais parecida com a farinha que resiste por cima do pão quando ele sai do forno já cozido. Uma farinha aqui e ali escurecida pela fuligem de um forno a lenha. Essa é a imagem do cabelo da D. Leonilde. Nada mais apropriado. Os olhos espreitam, pequeninos, de uma face marcada pelo tempo. Com as rugas da sabedoria. As mãos são escuras, com os dedos muito compridos que fazem a mão parecer uma extensão do corpo. Como uma pá que vai buscar o pão ao forno. Os braços finos ajudam a compor o quadro. Custa imaginar que aqueles braços foram, outrora, fortes o suficiente para amassar quilos e quilos de farinha. As pernas são também muito magras. Mal suportam o peso de um corpo que teima em inclinar-se para a frente. Mas a lutadora padeira resiste.
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