Foi consultor artístico do TA durante muito pouco tempo. Porque saiu tão prematuramente?
Estive durante cerca de um ano a coordenar a programação do TA, fazendo-o sem a retribuição financeira que tinha sido acordada inicialmente. Não obstante a falha da gestão autárquica, mantive essa colaboração, na perspectiva de que o TA era e é mais importante do que o cumprimento do acordo inicial. Acontece, porém, que a partir de Setembro as minhas obrigações profissionais passaram a tornar mais difíceis as viagens semanais entre Lisboa e Aveiro. Isto coincidiu, de resto, com maiores dificuldades por parte da empresa municipal [TEMA] que gere - ou geria - o Teatro em manter os compromissos no quadro das redes QREN e com falhas relativamente aos artistas que esperavam ser pagos dentro dos prazos contratualizados.
Quando chegou, como encontrou o TA?
O TA é uma máquina complexa, quase um ecossistema. Estou convencido que a equipa tem um envolvimento muito intenso com aquela casa, o que é um património valioso, mas também senti que existia algum desencanto sobre os modos de funcionamento e de articulação entre os operacionais de cena, a componente da produção e de programação e os dirigentes que têm responsabilidades de gestão. Esse desencanto passava, de resto, para o exterior e não era raro encontrar artistas que desconfiavam seriamente dos processos de programação.
Nos últimos anos, várias pessoas trabalharam na direcção artística do TA, saindo quase sempre ao fim de pouco tempo. Encontra alguma razão para isso?
Não posso falar pelos meus antecessores. O que sei é que o modelo orgânico do TA tem que ser clarificado. Não é admissível que um Conselho de Administração, seja qual for, interfira sobre o trabalho de programação regular, que deve ser da competência de um director artístico. Por exemplo, agendar um lançamento do um livro de uma associação de beneficência ao mesmo tempo que está a decorrer um espectáculo de ‘stand up comedy’ é disparatado e motivo de entropia. Esta espécie de sobreposição, quando é muito frequente, compromete o trabalho de programação, que tem que ser realizado com tempo e tranquilidade. Além disto, os atropelos fazem deslizar as competências que passam das pessoas que dirigem não se sabe bem para quem, de tal modo que certas decisões urgentes se arrastam para além do razoável comprometendo a execução do que quer que seja.
Como foi a relação com Maria da Luz Nolasco e com a restante administração?
Embora a minha demissão se tenha consumado em Setembro, já em Maio eu tinha apresentado ao Conselho de Administração diversos pontos cuja solução considerava inadiável. Acho inadmissível serem os artistas e os fornecedores locais a pagar o TA. Isso acontece a partir do momento em que não se paga aos fornecedores ou se adiam pagamentos. Apercebi-me que tal estava a acontecer, que as dívidas se vinham acumulando e que os planos de pagamento iam sendo empurrados como pedras de um dominó. As dotações da Câmara à TEMA não eram suficientes. Espero que a situação tenha melhorado entretanto, pese embora as restrições decorrentes da lei dos compromissos. Sei que a vereadora pugnava por uma mudança, que estava ciente deste quadro, mas acabava sempre por ir empurrando as coisas para a frente, não parando para pensar. Na verdade, o problema é anterior e é duplo. Pergunto, por um lado, qual é o projecto cultural para o concelho. E pergunto, em segundo lugar, onde estão os meios para realizar esse projecto. As duas coisas têm que ser articuladas entre si. No caso do TA, é bom que se saiba que ele custa à volta de mil euros por dia, tenha ou não espectáculos em cena. Ora, que eu saiba, para além de pouquíssimas salas nas grandes capitais, nenhum teatro com uma capacidade de acolhimento para cerca de 600 espectadores consegue gerar receitas directas capazes de pagar este volume de despesa. Dizendo-o, o que estou a defender é que uma gestão autárquica moderna deve calcular de outro modo a actividade de um teatro municipal, pensando nas contrapartidas a médio e a longo prazo. Da mesma maneira que quando se faz um jardim público – a propósito, o estado deplorável do parque D. Pedro é uma dor de alma – estar-se-á a pensar em zonas de lazer, em equilíbrios ambientais, na satisfação dos cidadãos e das crianças, coisas que não são contabilizáveis enquanto receitas imediatas, mas que são essenciais ao bem-estar social.
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