Isabel P. vive há 16 anos ilegal nos EUA, sem documentos que lhe permitam ser uma cidadã de corpo inteiro, com todos os deveres e benefícios que lhe são inerentes. Os dedos de uma mão já não chegam para enumerar os empregos por que passou. Começou por trabalhar, quando chegou àquele país, em 1996, numa empresa de peças eletrónicas. Entretanto, o nascimento da sua filha motivou a que ficasse em casa. No mesmo ano, começou a dar aulas de Português, à noite, na Escola Infante D. Henrique, em Mount Vernon, Nova Iorque. Aí lecionou durante uma década.
“Quando cheguei, viviam nesta cidade muitos portugueses, mormente de Trás-os-Montes”, recorda Isabel P., natural da vila de Oiã, Oliveira do Bairro. À medida que os filhos foram crescendo, os conterrâneos foram-se mudando para norte, “que é o que geralmente acontece quando os filhos atingem a idade do secundário”, explica. É de facto assim nos EUA. É a educação que dita as regras, são as escolas que “dão o nome”, que valorizam a respetiva cidade. Se a escola não é de qualidade, a cidade ou vila onde está inserida ganha uma menor reputação. “A possibilidade de se entrar numa Universidade mais ou menos conceituada tem muito a ver com a escola que o aluno frequentou. E é isto que leva as pessoas a mobilizarem-se em busca de uma educação melhor e, consequentemente, de um nível de vida mais elevado.” Assim aconteceu também com a própria Isabel.
Há dois anos, mudou-se para uma vila exclusiva ainda no Estado de Nova Iorque, para que a filha pudesse aí frequentar o liceu, onde há também exclusividade para os habitantes que nela moram. “Posso orgulhosa e modestamente dizer que sou uma das seis famílias apenas, de portugueses, que vive nesta vila.”
“Outras famílias, inclusive de portugueses, legais, a morar nos EUA há muitos anos, quando se querem mudar, não conseguem comprar nem alugar casa aqui, porque realmente o nível de vida é demasiado caro e as pessoas não podem pagar, por muito que quisessem. Eu pessoalmente estou muito feliz por ter conseguido, apesar das circunstâncias, e espero poder continuar!
“Confiaram nas minhas capacidades”
Isabel P. saiu de Oiã casada. O marido já trabalhara nos EUA, e uma oportunidade na mesma empresa levou-o a voltar. Isabel, na altura com 25 anos, acompanhou-o, nunca pensando que, 16 anos depois, ainda se mantivesse ilegal. Hoje, divorciada e “single mom” (mãe solteira), não poupa agradecimentos a todos os que lhe reconheceram capacidades e lhe “confiaram a possibilidade de avançar”, apesar do seu “modesto 12.º ano”.
Depois da empresa de peças eletrónicas, em 1999, começou a trabalhar a tempo inteiro numa agência de viagens, que deixou em 2004, devido aos horários escolares da filha. Conseguiu então trabalho na área de serviço geriátrico, ao domicílio. “Fiquei com a senhora, que entretanto ficou dependente, até ela morrer, cinco anos depois.” Estávamos no fatídico ano de 2008, ano em o mundo não mais voltaria a ser igual. “Fiquei dois meses sem trabalhar porque de facto a crise não ajudou e eu continuei sempre sem documentação para o efeito.”
Conseguiu depois trabalho na área da restauração, a tempo inteiro. Três meses depois, começou a trabalhar num consultório de advogados, onde está há três anos, mas manteve o trabalho “na lojinha de comidas ao fim de semana”. Outros trabalhos em part-time se juntam ao rol: numa florista, em car wash, babysitting, limpezas, a fazer traduções. “Devo muito à boa vontade dos meus empregadores, apesar das contrariedades.” Mas Isabel P. sabe que vive, diariamente, uma vida de risco e desassossego. Basta estar um dia no local errado à hora errada com a pessoa errada… A qualquer momento, “podem pedir-me uma identificação”…
Oportunidade, mas também disponibilidade
Isabel P. traça distintas formas de estar na sociedade portuguesa e norte-americana. “Todos estes trabalhos e horário de 60 horas semanais, nem toda a gente em Portugal se atreveria a fazer. E talvez menos ainda sendo mulher”, afirma. Na sua opinião, “as pessoas deviam ajustar o seu status quo e olhar para o que realmente é importante e prioritário na vida. É a diferença entre sociedades. Há a oportunidade, mas também há a disponibilidade e a mobilidade”.
Está bem enraizada nos EUA, adaptou-se a outros estilos e gostos. Conhece portugueses de norte a sul de Portugal, pessoas de outros países, e, naturalmente, muitos americanos. Vive num país que considera “maravilhoso” e, dia após dia, vai “combatendo altivamente as dificuldades”. “A vida é uma só onde quer que vivamos. Faz mais sentido viver contente com o que se é, do que amargurado com o que não se tem.”
Oriana Pataco
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