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03-09-2010

Peregrinação multissecular cumpre-se a pé até Vagos



São conhecidos como “sangalheiros”, embora oriundos da vizinha paróquia de Ancas. Cumprem a promessa, com redobrada coragem e fidelidade, na última sexta-feira de Agosto de cada ano, rumando em peregrinação, até ao santuário da Senhora de Vagos, para manter viva a tradição, que remonta aos séculos XVII ou XVIII.
Tudo para agradecer, com cânticos e ladainhas a Nossa Senhora, o “dom da chuva” que no passado pôs termo a prolongada seca de sete anos naquelas paragens. Ao todo são 40 quilómetros bem contados, numa viagem de ida e volta, com pernoita em Vagos, onde alguns ainda dormem em esteiras, no chão do renovado salão paroquial.
Trazidos pelo Juiz da Igreja e restante mordomia, os peregrinos percorreram o trajecto a pé, rasgando o coração da Bairrada, por terras de Amoreira da Gândara, Mamarrosa, Troviscal, Sobreiro de Bustos e Palhaça. Chegaram por volta das sete da tarde a Vagos, onde foram recebidos junto ao monumento do Poder Local, pelo diácono António Machado, seguindo em procissão até à igreja matriz.

Juventude. Foi aqui que, para além da recitação comunitária do terço, foram dadas as boas vindas à “comitiva” anchense, tendo aquele diácono assinalado, a propósito, que a peregrinação se realiza ininterruptamente desde há séculos. “Nem mesmo quando foi implantada a República, em 1910, e restringida a liberdade religiosa”, adiantou António Machado.
Segundo o Juiz da Igreja, Alcindo Nogueira, o número de peregrinos tem vindo a “estabilizar”. “Os mais idosos já deixaram de vir a pé, mas não faltam no sábado, trazidos pelos familiares para a missa”, referiu Alcindo Nogueira, confirmando que este ano “trouxemos muita gente jovem, a começar pelos porta-tabuleiros”.
Trata-se das mordomas de S. Martinho, cuja função é transportar, à cabeça, o pesado tabuleiro, com a cruz de prata da paróquia de Nossa Senhora da Assunção e respectivas lanternas, envolvidas em finas toalhas de linho bordadas. De acordo com o Juiz, este ano não houve promessas, pelo que tiveram de ser “nomeadas” quatro mordomas para a referida tarefa, que se foram revelando ao longo do percurso.
Os mais “resistentes”, nomeadamente os mais novos, acabaram por pernoitar em Vagos. O quartel dos Bombeiros Voluntários esteve disponível para um banho retemperador, depois de uma refeição aligeirada, enquanto o salão paroquial dava guarida a quem fez questão de cumprir a tradição. O “serviço” foi pago pelo Juiz, que “deixou” dois envelopes para serem entregues às duas instituições.

Contas. No sábado, a alvorada foi antes das sete. A essa hora já o padre Tiago Kassoma estava a caminho do santuário, em procissão, onde se incorporaram cerca de duas centenas de peregrinos. À frente vinha o Juiz, com a cruz, ladeado por dois mordomos, com as respectivas insígnias. Deram três voltas à capela, após o que tomaram parte na celebração eucarística.
No final da missa, foram prestadas publicamente contas, tendo sido entregue aos responsáveis do santuário 1.175 euros. Em declarações ao JB, Alcino Nogueira confirmou que aquele montante era o produto do peditório porta-a-porta, feito no mês de Agosto, pela sua mulher, formalmente conhecida por “juíza”.
É também à “juíza” que compete organizar o almoço, na recepção aos peregrinos. Este ano decorreu no parque de Amoreira da Gândara, tendo o seu custo, tal como sempre sucede, sido integralmente suportado pelo Juiz e mordomos.
Por solicitação do responsável paroquial, o regresso a Ancas foi feito em silêncio. A freguesia estava de luto, devido ao trágico naufrágio de uma embarcação de recreio, que vitimou pai e filho, naturais daquela localidade.

Eduardo Jaques/ Colaborador


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