Armando Vara apareceu de memória um pouco mais fresca no segundo dia do interrogatório no tribunal de Aveiro, onde responde por tráfico de influências no âmbito do processo Face Oculta.
Na véspera, o Ministério Público (MP) tinha requerido escutas, que não constam dos autos, através das quais pretende demonstrar que o arguido tinha, e usava, capacidade de influência política.
O ex-ministro do PS, admitiu, com maior desenvoltura, dois episódios abordados no dia anterior. Um dizia respeito à conversa ao telefone, com Lopes Barreira, arguido e seu amigo de longa data, próximo do PS, sobre a alegada tentativa da Secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, demitir Cardoso dos Reis, então, presidente da CP. Algo que a acusação acredita ter evitado, intercedendo junto do Primeiro-Ministro, José Sócrates.
O outro dizia respeito aos problemas que Manuel Godinho tinha com a REFER, que lhe deixara não só de entregar trabalho e pagar anteriores.
Assuntos abordados antes, durante e depois do já célebre almoço a 20 de Junho de 2009, na praia do Furadouro, em casa do alegado cabecilha da "rede tentacular", ainda com a presença de Lopes Barreira.
Para o MP, foi um encontro de “conspiração”.“Não houve um tema, falou-se "en passant", sobre a relação de REFER e Manuel Godinho”, retorquiu Armando Vara. “Não havia nenhuma estratégia para afastar a estrutura” da empresa pública, a “teoria de complot”, como lhe chamou também, e no qual a MP incluiu ainda como alvo a antiga Secretário de Estados dos Transportes, por não ceder a alegadas pressões para afastar a administração da empresa.
O advogado João Folque, que defende Carlos Vasconcellos, quadro da REFER, questionou Armando Vara se sabia que Ana Paula Vitorino mantivera “um relacionamento amoroso” com o presidente da REFER, Luís Pardal, ouvindo resposta afirmativa.
MP pede “alguma verdade”
O procurador João Marques Vida, mais adiante, insistiria no teor da conversas sobre a REFER. Só que Armando Vara escusou-se. “Eram triviais”.
“De vez em quando temos de ir pondo alguma verdade”, rogou-lhe o representante do MP que só conseguiria ouvir uma alusão às conversas sobre a demissão do presidente da CP. “Desabafos”, sem se lembrar em que termos.
À saída, Armando Vara evitou os jornalistas. Foi o seu advogado a negar qualquer antecipação a palavras comprometedoras nas escutas invocadas pelo MP, cujo requerimento para serem ouvidas aguarda despacho do juiz-presidente, que autorizou, para já, apenas que fossem ouvidas pelos advogados e assistentes.
“Esteve a ponderar num determinado elemento probatório e tinha concluído numa determinada situação, não é inversão ou insegurança”, disse Tiago Rodrigues Bastos.
Defesa desvaloriza discrepâncias
Já algumas contradições e discrepâncias, com o depoimento na fase de inquérito, são “absolutamente normais”.
Vara assumiu agora que terá sido de sua iniciativa colocar o arguido Domingos Paiva Nunes, da EDP Imobiliária, em contacto com Manuel Godinho. Ao princípio terá falado num pedido do empresário.
No primeiro interrogatório disse ter ficado a par de um acórdão que dava razão a uma empresa do grupo de Ovar num processo com a REFER apenas verbalmente. Em audiência alegou ter recebido cópia num envelope, no almoço de 20 de Junho de 2009.
Ainda houve tempo para iniciar o interrogatório de José Penedos, ex-presidente da REN, acusado de corrupção e participação económica em negócio a negar que alguma vez tenha passado “informações privilegiadas” ao filho, também arguido, sobre negócios que poderiam interessar a Manuel Godinho.
Deixou, contudo, para o filho explicar duas escutas comprometedoras em que Paulo Penedos ao falar com o empresário de Ovar parecia invocar o nome do pai.
Texto: Notícias de Aveiro |