O Bispo Emérito de Aveiro admite que há freguesias e paróquias a mais em Portugal e que chegou a oportunidade de rever o mapa. D. António Marcelino diz que é um “problema real” que “não se pode iludir”. E se no caso das freguesias “domina o problema económico”, no caso das paróquias, “o problema é pastoral e envolve a fidelidade ao adequado espírito de serviço da Igreja a pessoas concretas e uma reflexão serena sobre a natureza das estruturas eclesiais”.
Freguesias e paróquias,
um problema e uma oportunidade.
O problema é real e não se pode iludir. Há freguesias e paróquias a mais no país. A oportunidade de uma solução válida, depende de quem a quiser aproveitar, mas não se pode adiar, porque adiado anda de há muito o problema. No caso das freguesias domina o problema económico, sem excluir outros de ordem humana e social. No das paróquias, o problema é pastoral e envolve a fidelidade ao adequado espírito de serviço da Igreja a pessoas concretas e uma reflexão serena sobre a natureza das estruturas eclesiais. O número das freguesias está na mesa da governação, com as tensões normais. No caso das paróquias, pela multiplicidade de responsabilidades hierárquicas independentes, o problema parece incomodar apenas pelas dificuldades, não tanto pela procura urgente de soluções viáveis e pastoralmente válidas.
O DN disse há dias que, em Portugal, há 4368 paróquias. A situação é interpeladora quando se vê que, em zonas despovoadas e em decréscimo diário da população, o número de paróquias é elevadíssimo. Alguns exemplos comparativos e elucidativos: Bragança, com menos de 150 mil habitantes, tem 551 paróquias. Setúbal, com mais de 700 mil, tem apenas 57. Guarda, com 250 mil, tem 361 paróquias. Leiria-Fátima, com cerca de 300 mil, tem 75 paróquias. Diferente o caso das duas megas dioceses, Lisboa e Porto, com mais de 2 milhões de habitantes, em um e noutro caso. 287 paróquias em Lisboa e 447 no Porto, também merecem reflexão. A diocese do Porto, que vai de Ovar a Amarante, tem algumas zonas interiores atingidas pela desertificação. Lisboa, que se estende da capital até à Nazaré, concentra a população à volta da orla marítima e são reduzidas as zonas do interior.
O problema não é apenas da Igreja em Portugal. Por toda a Europa de tradição cristã a situação é idêntica, com desafios à vista: diminuição do número de padres, quebra sensível de prática religiosa, acentuada diminuição da natalidade e inverno demográfico, mudanças sociais e culturais marcantes… Parecem, no entanto, terem sido mais lúcidas as decisões de há séculos pela Europa fora e, também, em Portugal, com algumas limitações caseiras. Quando havia gente e muitos padres, criaram-se paróquias novas por todo o lado. Parecia lógico e o povo assim o exigia. A visão doméstica e limitada entre nós esteve em não se terem aberto janelas para se verem as necessidades da missão, dentro e fora. Escasseavam padres e abundavam padres.
O problema das paróquias tem portas possíveis para uma solução a médio e a longo prazo. Não necessariamente por via de extinção, o que não seria mal em muitos casos, pois que as estruturas de serviço, e é o caso, nunca são definitivas, nem intocáveis. A realidade, pelas mudanças sociais e culturais, e mesmo religiosas, afecta gravemente a vida das pessoas e das comunidades. Isto provoca um grande apelo para que algumas estruturas tradicionais da Igreja, se sintam em causa.
Começa a ser claro para todos que o território não pode limitar a vida. Nas cidades, as pessoas de há muito romperam com o territoriais na sua vivência religiosa. Como nos primeiros séculos há-que perguntar em vez de “Qual é a tua paróquia? ”, “Qual é a tua comunidade de fé e de Eucaristia? ”. Aí, o território já nem conta para as exigências canónicas tradicionais. O acento está cada vez mais na comunidade de adesão e de pertença, que deve ser também a de compromisso apostólico. O que melhor caracteriza é a referência ao Reino que se constrói na comunidade humana, e a inserção, livre e consequente, no Povo de Deus.
Nos meios rurais do interior parece agora que a honra e o peso está em ser pároco de muitas paróquias, mesmo se todas juntas somam poucas centenas de paroquianos. Na renovação que urge, o padre tem o seu lugar, mas não pode ser a referência fundamental da mudança necessária. Chegou o momento para se entender que a Igreja de Cristo não é clerical, mas sim Povo de Deus em marcha, com a riqueza dos diversos carismas, Igreja sinal de salvação, sacramento de união e reconciliação, presença viva no mundo com capacidade de entender e dialogar com todos.
A renovação passa pela promoção de comunidades de fé nos aglomerados que ainda se chamam paróquias. O padre dá-lhes, pelo seu ministério a necessária dimensão eucarística. Podem e devem ser impulsionadores de comunidades locais os leigos preparados, testemunhas concretas do Evangelho na vida familiar, profissional e social. O padre será mais um formador de animadores, e, mesmo assim, não só ele, e ainda o coordenador das diversas comunidades, mas, também, não necessariamente só ele em todos os casos. Tudo isto envolve uma atitude de conversão pastoral, quer da hierarquia, quer dos outros cristãos, pelo acolhimento e vivência dos critérios evangélicos e conciliares. Este caminho só será impossível se dominar o clericalismo, sustentáculo de uma pastoral de conservação, em detrimento da pastoral missionária, aberta e realista, que tem no seu horizonte gerar e promover o Povo de Deus. |