Vital Moreira, professor de Direito na Universidade de Coimbra, antigo militante do PCP e, até ver, deputado pelo PS no Parlamento Europeu, escreveu, no diário “Público” de 10 de Maio, um artigo titulado “O casamento da ideologia com os interesses”. Um artigo que, a meu ver, no que diz respeito à educação e liberdade de ensino, é infeliz porque ideologicamente redutor e prenhe de um pendor estatizante. No campo educativo escolar, Vital não admite nada que não seja estatal, venha de onde vier, e, pelos seus velhos preconceitos, menos ainda se vier do lado da Igreja Católica.
Em apoio do chefe, de quem se tornou a “voz inteligente” que tenta transformar em teses as intervenções políticas mais incríveis, Vital ataca, logo de início, o programa do maior partido da oposição, que classifica, pelas suas opções como “um manifesto ideológico contra o Estado”. Quando a leitura do que quer que seja é enviesada, o raciocínio não pode ser direito. Não entro nessa discussão. Chamo apenas a atenção para as tendências que, a pretexto de uma interpretação socialista do Estado social, se tornam estatizantes e ditatoriais, porque não respeitam as pessoas e os direitos humanos, os postulados elementares da democracia, o bem dos portugueses, e nem sequer as capacidades de um país que gasta o que não tem e despreza o que tem.
Fixo-me em afirmações de Vital Moreira, referentes à liberdade de ensino e à legítima opção dos pais e dos próprios alunos por uma escola concreta e seu projecto educativo. Não se trata, como diz, de os pais terem liberdade de escolha. Essa é uma liberdade que eles têm de pagar duas vezes. Trata-se, antes, de terem liberdade em pé de igualdade com os demais cidadãos e de entender o Estado Social como garante de serviços públicos qualificados naqueles campos em que todos cidadãos têm direito a beneficiar. O que se pretende, a nível governamental e partidário, é simplesmente, como Vital defende, um Estado social providente e totalitário que afirma que os serviços só são bons para os cidadãos e a seu favor, se for o próprio Estado a realizá-los só e directamente. Assim, na educação, na saúde e já a assomar, como projecto próximo, se isto continuar na mesma, também na segurança social. Só se admitem os privados enquanto o governo não tiver condições para estatizar tudo, à boa maneira colectivista dos ditadores. Os privados são agentes supletivos, nada mais. Admite-os o Estado enquanto ele não puder fazer tudo sozinho. Admiti-los como subsidiários, como é próprio de um Estado democrático, que sabe e respeita, aceita e promove a capacidade da iniciativa privada, em campos sociais fulcrais, isso nunca, porque é contra o Estado social entendido à maneira socialista marxista. Uma acção governamental, se não for ideologicamente viciada e redutora, encontra sempre maneira séria de os cidadãos e o país serem beneficiados com o contributo de todos. Os governantes não podem usar óculos que os impeçam de ver ao longe e ao largo. Quem não confia na iniciativa privada, a única sempre aberta à vigilância e ao confronto, acaba sempre por ir entregando os seus serviços aos menos competentes e por se deixar manobrar por interesses corporativos, que gostam muito de um Estado sem rosto como seu patrão.
No caso da educação, as escolas privadas, com provas dadas e, em muitos casos, pioneiras do ensino onde só muito tarde houve escolas estatais, então desnecessárias porque o campo estava coberto, vão sendo asfixiadas. O governo, colaboradores e ideólogos oficiais, continuam a dizer, sem qualquer pudor, que ficam mais caras ao país, que são apenas para os ricos, e que só as estatais são para todos, ricos e pobres.
Está mais que provada falsidade e a injustiça desta afirmação. Há casos em que os pais, que já pagam impostos, como todos os cidadãos, pagam ainda, como se fosse um castigo, a legítima opção educativa em favor dos filhos. São essas as escolas que os governantes socialistas chamam escolas de ricos. As escolas privadas, com contrato de associação, agora atacadas de morte pelo governo socialista, a pretexto da crise, sempre foram de todos e para todos, e constituem uma maneira de propiciar aos pais opções por projectos educativos concretos e com valores próprios. E são mais económicas que as estatais: administram o que recebem com discernimento, funcionam todo o ano e com o mesmo quadro de professores, do primeiro ao último dia; não são lugares de violência, nem de escândalos; apresentam, em muitos casos, iniciativas educativas diversas sem qualquer prejuízo dos programas oficiais de ensino; estão mais enquadradas no espaço local; apresentam, no seu conjunto, mesmo nas zonas mais desfavorecidas, bons resultados escolares, melhores, por vezes, que as escolas do Estado. O governo sabe isto, mas não gosta. Honestamente, porém, não o pode negar.
Privatização escandalosa e com privilegiados à vista é a que faz o governo de muitas escolas estatais com a criação da “Parque Escolar”, uma empresa público-privada, que se vai tornando dona e senhora irreversível das escolas do país e à qual o Estado fica para sempre a pagar rendas chorudas de aluguer do que é seu. Trata-se de um grande negócio para bancos e entidades privadas que construíram e remodelaram escolas em com dinheiros do país, da Europa e seus. Hoje, felizmente, vai-se sabendo tudo: erros cometidos na construção e equipamentos, os encargos assumidos na conservação e no uso diário, já visíveis em edifícios, novos ou remodelados; milhões pagos a gabinetes de arquitectos; gastos astronómicos em aquecimento e ventilação mal programados, segundo o parecer dos técnicos. E até acontece pelo país interior e também na sede de concelho de Vital Moreira, onde existindo um equipamento escolar qualificado, mas privado, o famigerado Parque Escolar vai construir um mega escola – as mega escolas já foram postas de parte nos países que querem educar e ensinar a sério - que vai custar, para já, quase vinte milhões de euros… Será que Vital Moreira sabe disto? Ou sabe, mas não lhe convém falar porque o chefe irrita-se? E porque se cala a Fenprof, em relação à Parque Escolar, ela sempre tão atenta ao que o Ministério diz e faz? Que interesses, para além dos ideológicos, se escondem nisto tudo, com prejuízo das pedagogias educativas mais modernas, dos cidadãos e do erário público? O governo, perito em simulações, diz apenas o que lhe convém e justifica tudo. Assim o exige o Estado Social!
Vital Moreira insiste, ora vejam, nos privilégios que os cidadãos, em geral, teriam de pagar com o alargamento do ensino privado. Que privilégios? Depois, lá vem a picada contra a Igreja, alimentada com desprimor, pelos preconceitos estafados conhecidos, ao dizer: “O interesse pelo ensino privado, boa parte dele ligado à Igreja, o qual ambiciona aumentar a clientela, o negócio e a influência, parasitando financeiramente o Orçamento do Estado…” Antes dissera ele: “…A liberdade individual do ensino (liberdade de ensinar e de aprender) é mais assegurada na escola pública, justamente por esta não ter, nem poder ter, um programa ideológico ou doutrinário, como frequentemente sucede nas escolas privadas, constrangendo a liberdade de docentes e de alunos no altar do proselitismo, religioso e ideológico”.
Lamentável, é o mínimo que pode dizer. Não sabe Vital Moreira que o desastre da escola estatal é, a pretexto de não ter ideologia, estar dependente da ideologia do partido e, a seu gosto, da ideologia de cada docente? Não sabe que não há educação neutra e que falar de liberdade, sem referências abertas e concretas, é expropriar e matar a própria liberdade? Não sabe que o fundamental da educação são os valores que nelas se propõem e transmitem para a vida? Já esqueceu que nos estados comunistas – sabia isso quando por lá andou –, os governos retiravam os filhos aos pais e mandavam-nos para Cuba ou para a Rússia, para aí serem domesticados e ensinados pela cartilha marxista? Quando se quer uma democracia a sério não se pode querer unicidade de ensino, mas sim uma escola plural, que respeite a todos, e proponha o que é válido e sério, tenha projectos educativos conhecidos e abertos. Vital Moreira se gritou, em tempos idos, pela unicidade sindical e pelas práticas marxistas do Leste, como é de prever, ainda não limpou a ferrugem que se armazenou na inteligência e na memória…
Assim não é possível dialogar. Nem o governo e seus mentores, orgulhosos das suas verdades, o desejam. O unidimensional ideológico e político que não admite nem críticas, nem opiniões diversas, impossibilita o diálogo, não reconhece aos outros cidadãos a sua dignidade e capacidades. É esta a denegação e a falsificação da democracia. É também a estagnação e a morte do país e do progresso. É a instauração do desrespeito pela pessoa e pelos seus direitos. É o transformar os deveres normais em fardos insuportáveis. É a destruição da comunidade e dos seus valores morais e culturais. É a total inversão da verdade e da realidade. É isto mesmo o que estamos vendo e sentindo, não obstante as muitas coisas boas e válidas que o tempo nos foi ropiciando, e agora o país está ameaçado de perder se não abrir os olhos e não raciocinar para saber o que finalmente quer e precisa. |