FALAR DA FAMÍLIA É FALAR DE NÓS MESMOS

"A família é um tema de reflexão para muita gente, mas não pelas melhores razões", afirmou o bispo emérito de Aveiro, D. António Marcelino, em conferência, promovida pelo Rotary Club de Oliveira do Bairro, evento que decorreu, na tarde do último dia 8, no auditório da Santa Casa da Misericórdia local. Tema importante, porque "falar da família é falar de nós mesmos. Todos nós temos uma", mas suscitou pouca assistência.

Contrastes. O bispo emérito fez o contraste da família tradicional e os novos conceitos, de uma forma clara e oportuna, recorrendo a muitos exemplos. Posicionando-se no tempo actual, havia de afirmar que "todos os tempos de crise atingem os valores tradicionais, tudo o que tenha uma certa estabilidade". A evolução, as migrações e emigrações foram criando uma nova fisionomia e a própria família está em crise nos seus fundamentos e valores e no exercício da paternidade. Está em crise também porque "se quer defender outro tipo de família (uniões de facto, "casamentos" gay). Mudaram as relações entre pais e filhos. Mudou-se o estilo de vida e "os filhos hoje é que mandam nos pais". Por outro lado, surgem coisas positivas: a partilha de tarefas, e isso concorre "para o equilíbrio familiar", que é o que falta, a maior parte das vezes.

D. António Marcelino pôs o dedo na ferida, lembrando que hoje no ensino e na educação "há concorrentes". "Há todo um mundo a concorrer com a família" - as novas tecnologias, a TV, o hip-hop, o mp3, o telemóvel, a internet, que roubam espaço à possibilidade de diálogo, o que significa algumas interferências nos padrões educativos. Mas não deixou de declarar que "a modernidade trouxe coisas boas", como a liberdade, que, no entanto, pode dar em libertinagem; como coisas más - as frequentes desavenças entre pais e filhos de que todos conhecem "casos dolorosos", a violência doméstica, o divórcio. E pior do que isso o abandono dos pais nos Lares, deixando a sua casa, onde já nem cabem nem têm lugar, o que acontece quando "os corações se fazem pequenos", frisou. Os idosos deixam de ser um valor e passam a coisas.

Há efectivamente quem entenda hoje a família como "um espaço emocional" (Daniel Sampaio), "meramente de afectos". E D. António Marcelino questionou: "que sentido tem isto?". Na família tem de haver inter-relação, "todos precisam de todos". A complementaridade ajuda a resolver problemas. Como ajuda a humanização de todos os membros. É que a sociedade "fica mais pobre, quando a família empobrece".

Outra pecha da sociedade é que hoje as famílias estão mais voltadas para "a cultura da morte do que para a cultura da vida", quando, na verdade, "os pais vivem para que os filhos vivam". Também os valores da honestidade e da verdade são postos ao desbarato.

Saídas? "Temos de tomar consciência de que as coisas não são fáceis? as estruturas mentais estão enferrujadas", lembrou D. António Marcelino. Importante é perceber os sinais da mudança, a concorrência da escola na educação de que, por vezes, se descarta a família. Os pais têm de aprender com os filhos a desmontar as agressividades, dando tempo à escuta, à partilha dos problemas dos filhos; vencer as tensões, em favor do diálogo, porque "o murro em cima da mesa já acabou".

Saber congregar o verbo amar em todos os tempos que ele tem, é uma das chaves para o êxito na educação de hoje. Tem que haver mais tempo para ouvir. "Uma pergunta tola pode originar uma resposta adequada". E, porque "há certezas que permanecem" é importante "agarrar as certezas fundamentais".

Encerrou o presidente do Rotary de O, do Bairro, Fernando Castro (também abriu a sessão, falando um pouco do movimento rotário) que lembrou que instituições, como a Misericórdia, "são um complemento da família", mas nunca a podem substituir. Referindo-se ao projecto da Santa Casa, (e voltando-se para o presidente da SCMOB, José Carlos Soares), a construção de uma unidade de cuidados continuados, prometeu colaborar nas iniciativas da instituição e dar corpo a outras.

Armor Pires Mota
Diário de Aveiro



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