O INQUÉRITO OBTEVE QUATRO RESPOSTAS

Poucas vezes alguém traz o assunto à conversa, mas aconteceu. Há dias este jornal lançava, num mini-inquérito, a interrogativa «Como avalia a actividade cultural do seu concelho?» Primeira evidência: interessaria isso alguém entre nós? Eu aplaudi. Segunda evidência: que «cultura» pode existir num concelho da região que põe o vinho e o leitão assado no centro das suas alegrias?

O inquérito obteve quatro respostas nos concelhos de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada. Resumindo: uma lamentou a fraca adesão do público aos espectáculos encenados, outra saudou a participação do público aguedense, a penúltima apelou para a criação de uma «escola de artes» para «fazer cultura» e tornar «menos pobre e sombrio» o panorama regional; por fim, a resposta da Mealhada pedia mais «produções com a prata da casa» concelhia. Tópicos relevantes: falta público em Oliveira (apenas para espectáculos de teatro amador?), o que já não se verifica em Águeda (tem tradições teatrais que vêm de longe), em Anadia vai surgir um Cine-Teatro (mas o ambiente irá renovar-se quando?) e, terminando, uma aposta em eventos como o Carnaval mealhadense ou atracções na estância Três Pinheiros.

Parece-me que estas conclusões reproduzem com bastante clareza as linhas gerais do quadro cultural bairradino. Vejamos. O público de cada concelho não tem bons hábitos de consumo cultural, precisa de formar esses hábitos e não se vê como. Nesta situação, mingua o espaço para mais e melhor animação, portanto impera o «fácil», simpático e popular.

Todavia, até há uns anos, houve quem andasse na Bairrada a promover encontros, comemorações, edições de livros, prémios literários, etc.; deu vida a uma associação cultural de âmbito regional, vincou a riqueza escondida do nosso património (autores e obras), pôs enfim a luzir a Bairrada no universo da cultura portuguesa (por direito próprio e também para surpresa e espanto de muita gente). As sementes lançadas no terreno quiseram prosperar e dar fruto mas logo ficou a saber-se que da sementeira pouco ou pouquíssimo resultaria. Ora nunca é tarde para um recomeço e sempre será cedo para uma desistência.

Ainda assim, teremos que anotar quanto esforço se perde quando ocorre uma paragem na acção cultural. É contraproducente, lamentável. Um movimento custa a arrancar, pede energias que depois dificilmente se renovarão. Requer-se uma índole de cavaleiro andante com inteligência lúcida para canalizar todas as disponibilidades em oferta em direcção ao alvo - e este alvo terá que contemplar a Cultura estreme, sem misturas.

Diz-se que alguma política (partidária ou não) está presente numa qualquer manifestação cultural. É verdade. Mas também é verdade que o teor dessa presença da política é altamente variável (vai do mínimo até ao exagerado) e que pode ser perfeitamente despiciendo nos casos mais nobres. Desprende-se desse teor residual quem vê no universo da Cultura, correctamente encarado, uma expressiva e eloquente imagem do mundo. Com esse universo se satisfaz, nele habita e não precisa de mais nada.

Arsénio Mota*
*Escritor

Diário de Aveiro



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