Está a reaparecer na ordem política do dia o assunto do aborto. Para uns aborto, para outros IVG (interrupção voluntária da gravidez) a questão divide a sociedade portuguesa. A problemática não é nova e todos conhecem os dramas de muitas mulheres que recorreram a esse método para se desfazerem de filhos indesejados por razões repugnantes como violações, mas, também por razões muitos menos abonatórias e talvez demasiado egoístas. Esta divisão na sociedade parece-me que permanecerá, seja qual for o resultado do referendo, que aí virá, assim como permanecerá o julgamento público de que o aborto é acto reprovável, mesmo que feito nas melhores condições financeiras. Mas esta questão é, neste momento, um assunto meramente político. Ciclicamente recolocado na agenda do país pelos políticos, serve como arma de arremesso da esquerda para a direita, como uma bandeira eleitoral, como justificativo para a criação de factos políticos, como manobra de diversão e para criação de complicados cenários de veto da presidência da república, etc. É claro que não é uma questão essencial para a vida quotidiana dos portugueses, nem sequer um enorme problema estratégico condicionador da vida nacional. Por isso, compreendo mal o relançamento do problema agora. Eu sou por convicção contra o aborto, mas percebo, aceito e aprovo as situações de excepção que a actual lei comporta e, por isso, a acho suficiente. Também sou daqueles cujo bom senso recomenda a não penalização das mulheres que foram manipuladas ou induzidas a praticar o aborto ou fizeram em desespero de causa. Por isso, não percebo que se introduza uma questão destas, quando a única coisa a alterar é, como o Eng Sócrates disse - não colocar na cadeia as mulheres que recorrem ao aborto. Por isso, pergunto: quantos julgamentos houver em Portugal em que mulheres tenham sido condenadas pela prática de aborto? Quantas mulheres estão actualmente presas? Qual a relevância penal da questão? Há ou não uma demissão do poder judicial em relação à aplicação da lei? Das primeiras não tenho números, mas devem ser baixíssimos. Da última existe um claro bom senso do poder judicial face a esta questão e incomparavelmente superior aos dos políticos. Mas eu não percebo que se dê tanta importância a esta campanha quando a questão estratégica para Portugal tem a ver com a demografia positiva e não com o actual e preocupante decréscimo populacional. Não tarda, seremos um país de idosos. Não deviríamos pois estar preocupados a discutir estratégias para ter mais filhos, para incentivar os nascimentos, para apoiar as famílias que têm a coragem de pôr filhos no mundo? Temos de ter mais gente nova para sermos mais produtivos, mais competitivos e sobretudo para sermos tão simplesmente viáveis como nação. Mas, a este ritmo de crescimento, seremos todos asiáticos, não tarda muito.
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António Granjeia* *Administrador do Jornal da BairradaDiário de Aveiro |