O PRÉMIO ESTÁ VIVO E VAI CONTINUAR

“Um dia feliz para nós”, foi como o presidente da câmara de Cantanhede, João Moura, classificou a apresentação do livro “Quase Tudo Nada”, do escritor bairradino (de Bustos), Arsénio Mota, vencedor da primeira edição do prémio Carlos Oliveira, um evento que decorreu, no último sábado, com muita solenidade , no auditório da biblioteca da cidade.

“Um dia muito grato”

Para além do presidente da edilidade, que fez questão de estar presente, ocuparam lugar, na mesa de honra, o vereador, do pelouro da Cultura, Pedro Vaz Cardoso, escritores, Serafim Ferreira e Idalécio Cação que apresentaram o livro, e Emídio Ribeiro, da editora Campos das Letras do Porto, que editou a obra ganhadora do prémio Carlos Oliveira, instituído pela câmara de Cantanhede e Centro de Estudos Carlos Oliveira “para estimular a criação literária em torno das referências socioculturais da Região da Gândara, prestando um justo e merecido tributo a um dos mais importantes escritores portugueses do século XX”, na opinião de Pedro Vaz Cardoso.

Abriu a sessão solene o presidente da câmara, começando por dizer que aquele era “um dia muito grato”, pois que, “é a primeira vez que estamos a celebrar este prémio”.

João Moura aproveitou para desfazer algumas dúvidas que corriam no hall sobre a continuidade ou não do prémio. “Está vivo e vai continuar”, afirmou sem quaisquer reticências, porque esta “é a melhor maneira” de perpetuar o nome de um dos maiores escritores do século XX. Ainda referiu, a propósito, o investimento na casa que foi em Febres de Carlos Oliveira e hoje é de outro escritor gandarez, Ferro Santos, que tem em preparação, para breve edição, um novo livro de histórias, mais precisamente “Histórias da Arca do Velho”.

Outra maneira de preservar e perpetuar a memória e obra do autor de “Uma Abelha na Chuva”, entre outros tantos belos livros, é a criação da Fundação Carlos Oliveira, cujos estatutos estão a ser ultimados, segundo anunciou João Moura. Trata-se “de um projecto ambicioso”, declarou.

O prémio integra-se assim neste conjunto de acções, todas com a mesma finalidade, ficando bem claro que o prémio não só vai continuar, como o montante pecuniário vai ser elevado ao nível dos prémios nacionais.

Peregrinação

“Quem gosta de ler uma escrita escorreita lê Arsénio Mota”, afirmou Emídio Ribeiro que abordou o panorama editorial português, onde “o que não dá dinheiro não se publica, o que não dá dinheiro põe-se de lado”, como que a abrir o caminho para os apresentadores.

Serafim Ferreira falou de “uma narrativa memorialista”, onde o autor se serviu da memória das suas vivências. Armazenando-as, “reconstruiu a sua imagem noutras imagens”, coisas e lugares.

O livro - trata-se de uma biografia que inclui histórias paralelas - trata da trajectória vivencial de Arsénio Mota, nas suas múltiplas facetas (menino e moço, jovem, a emigração na Venezuela, a prisão nas masmorras da Pide, o jornalista) apresentadas de”uma forma estranha”. Primeiro, surgem no livro as que o marcaram na década de setenta, encerrando com o nascimento e primeiros anos de vida de muitas carências, mas também de sonhos. Como que escreve da frente para trás...

Um ponto comum, literariamente falando, é o que se prende com a linguagem. “Linguagem equilibrada e concisa”, sem grandes adornos, assim a caracterizou o crítico literário. Quanto à substância do livro, trata-se de “uma peregrinação feita no espaço e no tempo”, com o regresso ao mais profundo de si mesmo.

Por sua vez, Idalécio Cação que fez parte do júri que atribuiu o prémio, por unanimidade, baseando-se na elevada qualidade e no carácter universalista da temática, falou bastante de Carlos Oliveira e do autor galardoado, “daqui de ao pé da porta” ( de Bustos, queria dizer).

Idalécio Cação considerou a obra autobiográfica, ressalvando que isso não é mal nenhum, porque muitos o fizeram ou vêm fazendo. Para isso teve de “mergulhar a fundo na sua condição humana”, dialogar consigo próprio.

“Um bocado estranho”

Arsénio Mota, depois de reportar-se ao tema das edições em Portugal, confessou que “este livro é um bocado estranho”, pois que “não é de articulação simples, baseado na memória”, ao recordar ora o seu tempo de rapaz, ora as manhãs de menino cujo burro que teve foi uma vaca...

Arsénio Mota concluiu que “a incoerência interna do livro” se justifica pela memória que não segue a cronologia dos vários tempos vincados na obra, com especial incidência nos dias de prisão.

Encerrou (depois, ainda houve um momento musical) Pedro Vaz Cardoso que é de opinião que, e em resumo, “para todos os efeitos, éticos e estéticos, a ficção alimenta-se aqui de biografia, portanto de autenticidade, pois o autor narra o que melhor conhece, assim fazendo regressar a literatura das evasões à vida passada pelas chamas de carne e sangue”.

Armor Pires Mota
Diário de Aveiro



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