É PRECISO CORTAR A CORRENTE DA VIOLÊNCIA

Estou a coligir estas palavras no dia em que se “comemora” o 11 de Setembro de malfadada memória. O dia em que o ódio, a violência e o fanatismo religioso, combinados no cadinho da alma humana, realizaram um dos actos mais bárbaros do nosso tempo. Mais de três mil seres humanos foram sacrificados duma só vez. Mas daí até tirar partido político desse vil acontecimento vai a distância que separa, neste momento, as gentes da nação americana e até do mundo.

No nosso limitado entendimento das coisas, dos homens e do mundo, não nos parece que lançar o medo e o grito de vingança entre as gentes desta nação de nações não é a solução mais adequada às necessidades mundiais do momento. E é disso, infelizmente, a que os nossos líderes têm lançado mão para levar a água ao seu moinho. É certo que o medo tem representado o seu papel na domesticação do animal humano ao longo dos séculos. O instinto do mais forte criou nele a tendência de abusar e explorar o mais fraco, física ou mentalmente. O medo do chicote, ou do inferno, esteve sempre em evidência, ao longo dos tempos.

Não sei que ilações se possam tirar da comemoração do 11 de Setembro, além de reacender o medo que tendia a desvanecer-se, para fins de natureza política e, ao mesmo tempo tentar atribuir ao anterior governo a responsabilidade pelo ataque dos fanáticos de Bin Laden. No fundo, é a democracia em acção que, apesar de todas as falhas e corrupções, é ainda o melhor aparelho que os humanos encontraram até hoje para se governar.

O mal de tudo é que a democracia pode ser também manobrada e posta ao serviço de interesses inconfessados, por indivíduos que manobram na sombra e, à custa de milhões, estão comprando, hoje com a maior indiferença, os governantes, como quem compra batatas ou hortaliça. Uma eleição hoje, neste país , movimenta centenas de milhões de dollars. E, para que haja dinheiro é preciso dá-lo em redução de impostos àqueles que o possam retribuir mais tarde.

O nosso W, como lhe chama Maureen Dowd, a espirituosa cronista do “New York Times”,tem desenvolvido grande actividade nos últimos dias, procurando espremer todas as gotas de medo que seja possível, à volta do ll de Setembro, a fim de suster a avalanche da opinião pública, que parece estar fugindo para o outro lado. E isto por causa da decisão que levou à hecatombe do Iraque. Segundo um relatório publicado, na última sexta-feira, pela Comissão dos Serviços Secretos do Senado federal, a Central Intelligence Agency, ou CIA, repudiou, no Outono passado, as asserções de ter havido contactos entre Sadam Hussein e o chefe terrorista da Al Qaeda, Abu Musab al-Zarqawi. Este relatório neutraliza as declarações do governo do presidente Bush, de que tais relações existiam entre o Iraque e a Al-Qaeda. E foi esta falta de verdade que atirou este nosso país para no atoleiro da guerra, ao mesmo tempo que deixava à solta o verdadeiro responsável pelo 11 de Setembro.

Oxalá esta lembrança de um dia trágico na história deste país e do mundo leve os responsáveis à conclusão de que a violência só gera violência e nunca pode levar à paz. As desavenças entre os povos e nações, só podem ser resolvidas pelo contacto entre os inimigos. Se não quisermos que este seja, realmente, o início da terceira guerra mundial, teremos de chegar à fala com aqueles que nos odeiam. O ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio, disse precisamente isso, quando lhe perguntaram o que esperava desta guerra contra o terrorismo. Quando fomos para o Iraque, não havia lá terroristas, além de Saddam Hussein. Hoje, há milhares. É minha opinião de que não estamos derrotando o terrorismo. Os terroristas estão aumentando, todos os dias, em número e ferocidade. No Afeganistão, onde devíamos ter concentrado todo o peso da nossa máquina militar, permitimos a fuga de Bin Laden para o Paquistão, cujo dirigente parece estar jogando com um pau de dois bicos, para proteger a sua própria pele.

É preciso cortar a corrente da violência, e só a diplomacia, e não a força, poderá evitar uma tragédia mundial de terríveis consequências. Porque as bombas humanas, carregadas com pólvora e fanatismo, não se caçam com bombas atómicas ou “inteligentes.”

Manuel Calado*
*Jornalista
Diário de Aveiro



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