Mais uma vez, o médio oriente é palco de intervenções militares em larga escala e todo o mundo está suspenso e receoso do que possa acontecer. Incapazes de ter uma posição concertada (até para um comunicado conjunto), seja no principal fórum internacional, a ONU, seja em contactos bilaterais entre as potências internacionais, os decisores políticos parecem ficar reféns, tanto de uns quanto guerrilheiros sem escrúpulos como da necessidade israelita de liquidar alguns dos vizinhos mais incómodos. A história parece repetir-se e há já quem compare a destruição de Beirute com os ataques que, durante a guerra civil libanesa, destruíram a “Suiça do Oriente”, há mais de vinte anos. O Líbano, uma das únicas democracias sobreviventes no pós II grande guerra na zona, deu-se mal com a nefasta influência da oligarquia Síria da família Al-Assad e foi incapaz de manter o frágil equilíbrio entre cristão e muçulmanos que aguentou até meados da década de 70. A chegada de muitos refugiados palestinianos a solo libanês e o apoio à guerrilha de Yasseer Arafat deram o mote para várias intervenções do estado judaico e para a ocupação Síria do território libanês. Os massacres de Sabra e Chatilla, comandados pelo antigo primeiro-ministro Ariel Sharon, também não ajudaram em nada a pacificação da zona. Mas quando tudo parecia encarreirar? A actual guerra começa no fundo com morte do ex-Primeiro Ministro libanês, o milionário Rafic Hariri, num atentado à bomba cujos autores até agora não foram identificados e de que a Síria foi acusada, formalmente, pelo assassinato no ano passado. Rafic Hariri, um moderado, liderava movimentos que retirassem alguma capacidade de manobra aos ocupantes sírios e supletivamente retirava a influência que os grupos radicais muçulmanos ainda detinham, principalmente no sul do seu País. Essa estratégia, estava a pacificar as relações com Israel e a permitir ao país a recuperação económica, ao mesmo tempo que criava um clima de entendimento entre as comunidades cristã e muçulmana. A atestar isto, ocorreram, após a sua morte, gigantescas manifestações em Beirute, exigindo a retirada das tropas sírias que ocuparam o país em 1975 sob mandato da Liga Árabe para impedir o agravamento da guerra civil, numa espécie de "Revolução Laranja" ucraniana, pois solicitavam a demissão do governo pró-sírio. Posteriormente, os aliados da Síria, especialmente os xiitas da Amal e do Hezbollah, fizeram também gigantescas manifestações, pedindo a permanência dos sírios, para evitar o retorno da guerra civil. A consequência destes movimentos e das negociações internacionais que se seguiram, levaram a uma parcial retirada Síria do Líbano, aos desmantelamento de colunatos judaicos e à retirada de Israel da faixa de Gaza e consequente devolução da gestão à autoridade palestiniana. A recente vitória do Hamas para o governo da autoridade palestina e a incompreensível recusa de aceitar o estado de Israel vieram ainda complicar mais as coisas e fornecer argumentos aos israelitas para, um tanto cinicamente, alegarem que, apesar de estarem a cumprir as retiradas impostas pela ONU, não toleravam a presença e os ataques suicidas de grupos radicais como o Hezbollah, cujo desarmamento foi ordenado pela ONU em 2004. No meio disto tudo, é mais fácil para os ocidentais deixarem correr as coisas e limitarem-se a intervir humanitariamente. Parece que a ideia de Pilatos de “lavar as mão” sempre teve seguidores na zona.
António Granjeia* Administrador do Jornal da BairradaDiário de Aveiro |