Através do Jornal de Notícias de 12 de Abril, alguém, com sensibilidade para a preservação do nosso património cultural, denunciou publicamente que os edifícios da Cerâmica ameaçavam ruir. Só depois desta chamada de atenção e após ter sido alertado na Assembleia Municipal, é que o Sr. presidente da câmara mandou proceder a uma vistoria ao estado de conservação dos edifícios da Cerâmica Rocha. A comissão, nomeada para o efeito, reconheceu a necessidade urgente de se proceder a trabalhos de segurança, de modo a evitar a derrocada da referida Cerâmica. Ora, isto só acontece, pelo facto do executivo camarário, ter revelado, mais uma vez, uma enorme incultura e falta de sensibilidade no que respeita à preservação do nosso património, neste caso, do nosso património industrial, que também faz parte da nossa memória colectiva. E, a corroborar essa reconhecida falta de sensibilidade, o senhor presidente da Câmara mandou anular os concursos que estavam em curso. Se esses concursos não tivessem sido anulados, o dinheiro que transitou em saldo da gerência de 2005 para 2006, no montante de 624.358,96 Euros, seria suficiente para recuperar o edifício onde funcionaram os serviços administrativos da Cerâmica. Nele seria instalado todo o acervo museológico que foi recuperado, depois de devidamente classificado e digitalizado. Assim, com uma boa gestão, este edifício estaria concluído no primeiro semestre de 2007. Segundo programação prevista pelo anterior executivo, a recuperação do edifício, propriamente dito da Cerâmica, devia iniciar-se em fins de 2006, de modo faseado, e com a respectiva programação financeira. Assim, o Museu de Olaria e Grés da Bairrada estaria concluído em 2010. Mas o senhor presidente da câmara entendeu abandonar os projectos e acabou por desperdiçar o esforço realizado, bem como o investimento já feito. Ao que parece, talvez tenha tido receio de o acusarem de ir «a reboque». Penso, no entanto, que atitudes como esta são próprias de quem não sabe que a gestão camarária não se faz para mandatos, mas, sim, para as gerações futuras, pois são elas também depositárias desse património que urge defender. Diz também o Sr. presidente da câmara que a recuperação ainda não tem calendário porque «existem outras oportunidades». Espero que o próximo Inverno não seja muito rigoroso, porque, se isso acontecer, a «oportunidade» terá passado e os edifícios transformar-se-ão num montão de ruínas. Nessa altura, o Sr. presidente da câmara, com o apoio de alguns autarcas do seu partido e outros eventuais “adesivos políticos”, proporá a venda do terreno, sobrepondo à defesa histórica do património a frieza de um qualquer negócio mais ou menos lucrativo. Como disse Ramalho Ortigão, “o desaparecimento de um edifício com valor histórico e com uma arquitectura da época, que as pessoas conhecem de pequenas e de pequenas se habituaram a amar, é como a amputação dolorida e saudosa do seu próprio ser. Parece que um misterioso instinto de conservação e de aperfeiçoamento moral da espécie sugere a cada homem que - como se lê na Sagrada Escritura - as obras realizadas pelos antepassados são o engrandecimento da nossa glória e a perpectuação do nosso nome.” Resta-me mais uma vez fazer um novo apelo ao Sr. Presidente da Assembleia Municipal, Sr. Engenheiro Dias Cardoso, cidadão que se encontra sentimentalmente ligado àqueles edifícios e que apoiou com entusiasmo a sua aquisição, com vista a serem recuperados e neles se instalar o Museu de Olaria e Grés da Bairrada, para que exerça a sua influência a fim de evitar que não se cometa mais um erro histórico a que o seu nome ficará também ligado. E como continuo a pensar que a maior riqueza de um povo reside na sua história, escrita nas várias vertentes do seu património cultural, reservo-me o direito de, enquanto cidadão do meu concelho, pugnar para que esse património seja respeitado. Acílio Gala* * (Ex- Presidente da Câmara)Diário de Aveiro |