Li, há poucos dias, palavras sensatas de um conhecido e apreciado historiador italiano que analisava os políticos actuais do seu país, em confronto com os de décadas passadas. Dizia ter saudades dos tempos de luta do democrata cristão De Gasperi e do comunista Togliati. “Sabia-se o que eles queriam, o que pensavam e quais os princípios e a ideologia que inspiravam os seus projectos, decisões e lutas pelo bem comum”. Foi acrescentando que eram políticos com ideias e convicções e, apesar de adversários, se respeitavam mutuamente, como respeitavam as regras da democracia que, após o fascismo, começava a implantar-se no país. Alargava, por fim, a sua crítica ao que se estava passando nesses dias, por motivo das eleições primárias e das reacções ouvidas. “Que diferença!” Num encontro recente com gente responsável de duas dezenas de países da Europa, foi comum reconhecer-se que parecia estar a terminar o tempo da política com conteúdos e saber, orientada por gente convicta. Por todo o lado, dominam os interesses, a ânsia do poder, o vazio ideológico, a perda do sentido de serviço à comunidade no seu conjunto. Frequentemente, os políticos de tope são pessoas com quem não é possível dialogar, porque dizem, desdizem e contradizem, segundo as circunstâncias, os interesses do momento e os jogos de poder. De dois nossos vizinhos, cidadãos de um país que está na ribalta, ouvi, com manifesta amargura: “Os políticos que nos governam mentem, mentem vergonhosamente, e, com um sorriso descarado, negam o que acabaram de dizer e que toda a gente ouviu. Uma lástima!” Não deixo de reconhecer, porque é essa a minha convicção e a tenho repetido muitas vezes, que a política é uma actividade digna, séria e necessária, e que há muita gente a trabalhar neste campo, com reconhecida dignidade e competência, que merece o nosso respeito e gratidão. Não por mera simpatia ou motivos partidários, mas por um dever de cidadania. Porém, a Europa parece ter sido invadida por um enxame incómodo de políticos medíocres ou pouco mais do que hábeis, que foram alcançando os postos do poder e neles se aguentam por manobras e apoios, prepotências e favores, mas que não conseguem disfarçar a pobreza das ideias, a debilidade dos critérios, a personalidade frágil, a ausência de sentido? Deparamos, é verdade, com gente na cadeira do poder, por vezes mais no intermédio do que no cimeiro, com valores morais e éticos, ideias claras, critérios ajustados, projectos fundamentados, vontade, saber e honestidade para ir mais longe. Na hora das decisões, porém, ou é torpedeada por um funcionário de carreira, mais ou menos discreto, com secretária na sala do lado, ou esbarra com interesses de cima, a quem não faltam razões de ocasião para dizer, com um sorriso, que não pode ser assim. Entre nós começaram já os jogos de circo, porque não se sabe se vai ou não haver referendo, e porque voltamos a um clima de pré-campanha. Sacodem-se os capotes, limpam-se as armas, aventam-se as insinuações? Pouco se fala de bem comum, de responsabilidade política, de país acima dos partidos, de serviço público para além dos interesses privados, de subsidiariedade, onde esta é possível e mais eficaz. Este vazio tem de ser denunciado e contrariado. Dizer que é fruta do tempo, pouco ou nada resolve, porque não falta gente, dentro e fora do poder, que só gosta desta fruta de passagem. Há que apoiar ou denunciar, quando é caso disso. O dever cívico de aplaudir ou dizer que o rei nu, não se pode exprimir apenas quando nos tocam ou não nos direitos pessoais ou nos interesses corporativos.
António Marcelino* *Bispo de Aveiro Diário de Aveiro |