No passado dia 18 de Setembro de 2005, a tragédia abateu-se sobre a freguesia de Avelãs de Cima. As forças da natureza, impulsionadas por mão criminosa, levaram tudo, deixando um rasto de destruição. Famílias que viviam do fruto do seu trabalho quotidiano, acordaram pobres. O seu olhar triste e resignado tornou-se o espelho da paisagem, nua e negra. Mas este povo não morreu. A fibra desta gente, temperada pela dureza do xisto e pelo vento suão, manteve-a de pé, pronta para lutar e reconstruir o seu mundo e a sua vida, não ficando de mão estendida, na berma da estrada. Cumprem o seu dever de fazer pela vida. Mas também têm consciência dos seus direitos: direito de serem compreendidos, na sua adversidade, pelas instâncias que regem este país. Não precisam de esmolas! Precisam de ser orientados, no terreno, por técnicos qualificados, a fim de procederem à reflorestação das zonas ardidas; precisam de plantas e sementes; precisam de uma política esclarecida, que não se limite a coimas selvagens que mais não visam que extorquir dinheiro a quem trabalha arduamente para conseguir arrancar da terra o seu sustento; precisam que o fruto do seu trabalho não sirva apenas para o enriquecimento de algumas empresas, com lucros fabulosos e de aplicação duvidosa. Apela-se à Câmara Municipal, à Direcção Geral das Florestas e ao Ministério da Agricultura para que seja promovida a isenção de licenças de plantação e a orientação técnica, no terreno, para que a nossa freguesia volte a ter o verde e o ar puro, bem como o tão necessário rendimento da floresta, evitando, assim, o êxodo das populações, fixando-as na terra em que nasceram, onde se sentem bem e produzem riqueza. Olhando a outra face dos incêndios, peço às pessoas da freguesia que, apesar da dor de terem perdido os seus haveres, compreendam os nossos Bombeiros. Por favor, não os culpem pela nossa desgraça! Sabemos que nem tudo foi bem feito e que nem tudo foi bem coordenado. Mas os Bombeiros são pessoas, como nós, que deixaram as famílias e o conforto dos seus lares para defender a nossa terra e os nossos haveres. Face à intensidade com que o fogo nos surpreendeu, havia que concentrar esforços na defesa das habitações. Sabe-se, agora, que, na madrugada do passado dia 18 de Setembro, quando os Bombeiros de Anadia se dirigiam, em coluna, da zona de Mortágua para os Corgos, na nossa freguesia, foram surpreendidos pelo fogo, tendo um dos carros ficado retido, na zona da Lousã. Os que passaram, incluindo o Comando, só por um golpe de saber e sorte não foram apanhados pelas chamas. Todos recordamos aquelas imagens televisivas de quatro bombeiros carbonizados, dentro da sua viatura, quando zelavam pelo bem comum. Todos sabemos de Mulheres e Homens, alguns nossos conhecidos, que ostentam no corpo as marcas profundas das queimaduras, e na alma a visão terrível dos companheiros, menos afortunados, que pereceram, pasto das chamas. Essas Mulheres e esses Homens têm famílias, que os chorarão pelo resto das suas vidas. Curvemo-nos perante a lápide, de um qualquer cemitério, cujo epitáfio recorda um bombeiro que tombou ao serviço de todos nós? Já aqui foi dito que, no dia 18, talvez mais alguma coisa pudesse ter sido feita. Talvez mais uns centos de pinheiros ou eucaliptos pudessem ter sobrevivido? Será isso comparável à dor de uma viúva ou de um órfão? Diz-se que alguém disse que a nossa freguesia está contra os Bombeiros. Não é verdade! Durante os incêndios de 18 de Setembro e de 2 de Outubro, os Bombeiros foram rodeados do maior apoio e carinho. O Centro Social Verde Pinho, a Associação da Cêrca-S.Pedro, o Clube Académico de Avelãs de Cima, bem como populares isolados, quer em pleno terreno quer nas suas instalações, serviram refeições quentes, sandes, sumos, água, leite, café?Não ouvi dizer, sou testemunha destes factos. Claro que as pessoas têm o direito de se manifestarem. Mas, se eventualmente têm alguma razão, tentem compreender as razões de quem passa horas e horas de cansaço, sem comer nem beber, quer no combate às chamas quer nas operações de rescaldo e vigilância. A alguém que, na hora do desespero, tenha dirigido algumas palavras ofensivas aos Bombeiros, peço que, junto comigo, apresente aos Bombeiros em geral e em particular aos Bombeiros de Anadia e ao seu Comando as desculpas que lhes são devidas pelo muito que têm feito em prol da comunidade. Avelãs de Cima, 14/10/2005 O presidente da Junta Armando Henriques PereiraDiário de Aveiro |