Os desastres naturais são como calhaus atirados no saguão escuro da nossa ignorância. E têm o condão de despertar no fundo do meu "eu" os diabinhos que, de vez em quando, me incitam a fazer perguntas "malucas". Se acaso é, intelectualmente, lícito fazer perguntas sem esperança de resposta. Mas não há, realmente uma explicação para os desatinos "terroristas" com que a Natureza nos está brindando cada vez com mais frequência? Basta atentar nas hecatombes dos furacões que assolaram no período de poucas semanas os Estados Unidos, com centenas de mortes e biliões de dólares de prejuízos.
Se fossem humanos os responsáveis, punha-se meio mundo em pé de guerra para lhes dar caça. Mas, os desastres naturais são aceites com passividade ovelhum, cônscios da nossa incapacidade de bichos da terra, que nada podem, nada sabem, nada compreendem.
E ainda as feridas na carne da América estavam abertas e a sangrar, a Mãe-Natureza resolveu semear o caos entre os povos da Paquistão e da Índia.
Milhares de casas reduzidas a caliça. Milhares de seres humanos soterrados sem dó nem piedade sob os escombros de um terramoto de assombrosas proporções.
Para quem costuma cantar loas à Natureza, estes terrorismos naturais deixam-nos a pensar e a perguntar se a inteligência criadora que desenhou as rosas e os malmequeres é a mesma que nos mata impiedosamente. Será possível que a mão que criou o Universo, a voz que mandou voltar a outra face, é a mesma que fez os furacões e terramotos? E estes actos fundamentais da criação evolutiva acontecem na mesma altura em que andamos por aqui ingenuamente envolvidos em coisas "importantes" para a nossa incapacidade de bicharocos desprezíveis. Como, por exemplo, gastar os nossos "brains" discutindo acaloradamente a nomeação duma juíza que prometa defender o embrião, embora este possa ser depois atirado à margem quando tiver a infelicidade de ser gente.
Quando a Natureza, com a maior sem cerimónia, é capaz de matar milhares de seres humanos já formados e deixar as cidades que eles construíram reduzidas a caliça. Eu sei que é estultícia procurar discutir coisas para as quais não há explicação. E talvez até haja.
A juíza que o nosso presidente acaba de nomear para o Supremo Tribunal, que era católica, foi rebatizada e "renascida" evagelicamente em Cristo, é muito capaz de acreditar nos milagres que os pregadores evangélicos operam aos olhos de todos. Diz a Bíblia que Cristo operou talvez meia dúzia de milagres. Pois os pregadores evangélicos operam às dúzias só duma assentada. A pessoa não vê, sofre de cancro, da bexiga ou de bicos de papagaio, vai ao estrado, o pregador põe-lhe a mão na testa, dá-lhe um empurrãozinho, ela cai nos braços dos acólitos, e está curadaS Sacode as muletas a que se apoiava, e está apta a dançar a chamarrita. E quem é capaz de obrar milagres assim, ás dúzias, está no segredo dos Deuses, e decerto deve ter uma explicação para os desacatos da Mãe-Natureza. Fernando Pessoa, num dos seus poemas inéditos, perguntava ao vento o porquê do "sofrimento de pensar". Porque não a "inconsciência?" A inconsciência da pedra ou do bicho. Mistérios!
O meu amigo filósofo de Água de Pau disse-me ter lido algures que os seres humanos vão desaparecer algum dia da face da terra, como os dinossauros e milhões de outras espécies que viveram por milhares ou milhões de anos, e desapereceram.
Vírus, epidemias, guerras, furacões, terramotos se encarregarão de destruir as civilizações. Que a nossa, poderá não ter sido já a primeira. E tudo terminará com uma noitada de fogo de artifício atómico.
E os evangélicos estão certos disso, pois eles estão esperando ansiosamente a "segunda vinda de Cristo". E então é que os bonzinhos serão premiados, e os maus, como eu, o Saddam Hussein e os padres violadores de meninos, seremos todos enviados para o Night Club de Belzebu, o rei dos infernos, que se encarregará de nos enfiar num espeto de churrasco.
E que os últimos habitantes da Terra serão os insectos. Nada restará senão os insectos, que acabarão, também, por se devorar uns aos outros.
E olhem os amigos que o meu filósofo ilhéu poderá não estar de todo errado.
A avaliar pelo àvontade com que a Natureza nos está matando, tudo indica que somos uma espécie em vias de extinção.
Manuel Calado* *Jornalista nos EUADiário de Aveiro |